ESPAÇO DE ENCONTRO E REFLEXÃO ENTRE CRISTÃOS HOMOSSEXUAIS em blog desde 03-06-2007
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publicado por Riacho, em 11.03.12 às 01:23link do post | favorito
Uma óptica sugestão cultural para quem vive a norte!
Zimpler é um dos convidados da Feira do Livro LGBT

Zimler é um dos convidados da Feira do Livro LGBT 

 

Paulo Corte-Real é presidente da ILGA  

 

“O Porto já precisava de uma iniciativa deste género”, diz Paulo Corte-Real, da associação ILGA, sobre a primeira Feira do Livro LGBT (lésbica, gay, bissexual e transgénero) realizada na cidade. Depois de três experiências de sucesso na capital, sempre em Outubro, desta vez a feira antecipa-se à Primavera e, a partir deste sábado, dia 10, e até a 17 de Março, vai estar no Centro Comercial Bombarda.

 

É a primeira vez que sai à rua. Desde 2009 que ela se confinava, em Lisboa, ao Centro LGBT. O objectivo é, como realça Paulo Corte-Real, “que todas as pessoas possam lá estar”. Pessoas de todas as idades, géneros e orientações sexuais. Nem as publicações têm uma orientação assim tão definida.

 

De entre os livros infantis, os romances, a banda desenhada, os estudos científicos e a poesia que a feira “oferece” (ou vende, mas por um “preço de feira”), em cerca de 200 títulos, encontramos uma esmagadora maioria dedicada à temática LGBT. Mas não é obrigatório que assim seja. 

 

Basta que tenham um “olhar LGBT”, explica Telmo Fernandes, da organização. E que olhar é esse? Provavelmente um olhar de respeito pela diversidade e livre de preconceitos. “Achamos que Richard Zimler imprime esse olhar nas suas obras”, diz Telmo Fernandes para explicar o convite feito ao escritor, que vai estar na feira à conversa com os presentes no dia 16, sexta-feira, pelas 18h00. 

 

Coros, "workshops" e preferências sexuais

As escritoras Manuela Bacelar, Sandra Cainé e Marisa Medeiros também dirigirão encontros, assim como a contadora de histórias Aida Gutierrez. A Feira do Livro LGBT do Porto arranca este sábado, dia 10, cujo ponto alto se prevê ser a actuação do coro CoLeGaS, grupo que reúne um repertório intimamente ligado ao imaginário gay, às 18h00. 

 

Nem a música escapa ao sentimento LGBT, portanto. Daí em diante, além dos encontros com escritores, terão lugar conferências proferidas pelos autores-investigadores Conceição Nogueira e Nuno Carneiro, a 13 de Março, e ainda "workshops" de escrita e ilustração com Adélia Carvalho e Sandra Luís, nos dias 15 e 17, respectivamente. Tudo para tirar da gaveta “questões que têm vindo a ser silenciadas”, observa Paulo Corte-Real, e trazê-las para o debate público.

 

Este evento partiu da Associação ILGA Portugal, que pretende, através do projecto Porto Arco-Íris, actuar no Norte do país contra a discriminação sobre as preferências sexuais. As “portas” da Feira do Livro LGBT (que equivale a dizer as do Centro Comercial Bombarda) estarão abertas das 12h00 às 20h00 (excepto ao domingo). Todas as actividades são gratuitas.

 

Fonte: http://p3.publico.pt/cultura/livros/2457/lgbt-vais-ouvir-o-zimler-ou-ficar-em-casa-com-o-preconceito


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publicado por Riacho, em 01.03.09 às 20:51link do post | favorito

Não é só a obra dele que espanca o estômago; é também o discurso. Pela franqueza, tão rara em Portugal. Zimler, de 53 anos, escreve livros daqui para o Mundo. Por um amor que dura há 30 anos.

 

Nasceu em Nova Iorque, provavelmente o lugar do mundo onde mais pessoas sonham viver. E, no entanto, trocou-o pelo Porto. Foi trocar caviar por sardinha?

[Risos] Não é bem assim, porque entre Nova Iorque e o Porto houve muitas etapas diferentes. De Nova Iorque fui para a Universidade, na Carolina do Norte, que era na altura um sítio mais provinciano do que o Porto. Daí fui para a Baía de São Francisco e depois para Berkley. Só depois vim para o Porto. Já vivi em muitos sítios diferentes. É verdade que às vezes faz-me falta uma grande cidade como Nova Iorque, Paris ou Londres. Mas felizmente tenho muita sorte e viajo com frequência.


 

Mas nunca deu consigo a pensar: "Que raio estou a fazer no Porto?"

Sim, claro. Quando chegamos aqui, o Porto era uma cidade muito menos internacional. Conseguir um restaurante étnico - italiano, tailandês, japonês - era quase impossível. Conseguir um jornal internacional também.


 

E, no entanto, isso foi há menos de 20 anos...

Pois, mas o Porto era uma cidade muito isolada. Lembro-me de estar na Baixa, ainda nesse ano, e de ver passar um grupo de punks. Não exagero se disser que, atrás deles estava uma dúzia de gente local com os olhos esbugalhados como se eles fossem marcianos. É uma imagem que guardo do Porto, porque um grupo de punks em Amesterdão ou em Nova Iorque não provocava nenhum interesse. E no Porto foi um escândalo.


 

Acha a cidade ridícula nesse sentido?

Sim, o Porto continua a ter o lado de uma grande aldeia. Mas Lisboa é igual. Para quem é de Nova Iorque, Lisboa é igualmente província, desculpem lá dizê-lo [risos]. Não vejo diferença entre cidades como o Porto, Lisboa, Bordéus ou Lyon. Mas já tenho 53 anos. Quando somos mais jovens precisamos de estar mais no centro do mundo. Se eu tivesse 20 anos ia para Berlim. É a cidade da Europa, e talvez do Mundo, mais explosiva, mais dinâmica, mais engraçada que conheço. E barata ainda por cima. Mas não tenho 20 anos, a minha vida está cá, estou contente e não preciso de estar no centro do mundo.

Mas se Berlim ainda fosse capital da Alemanha nazi, sendo americano, judeu, escritor e homossexual, não seria logo morto?

Logo! Na primeira fila [Risos].
 

Quando chegou ao Porto, ficou indignado com a falta de higiene nas casas de banho públicas. Consta que não saía de casa sem estar munido de papel. Ainda é assim?

Felizmente, já não. Hoje, qualquer restaurante ou estação de caminho de ferro está limpa. De vez em quando, está uma porcaria, mas níveis de higiene não têm comparação. Estive cá pela primeira vez em 1980 e este país era medieval.


 

Ainda acha que os portugueses só falam do que não tem interesse ou, pelo menos, do que lhes é exterior?

Sim, os portugueses não confiam nos estranhos.


 

Mas têm fama de ser tão hospitaleiros...

É verdade, mas não é um paradoxo. Se o estrangeiro está à procura de alguma coisa, o português ajuda, pergunta de onde ele é, etc. Para falar dessas coisas são fantásticos. Para o resto, não. A minha teoria é que isso tem a ver com 240 anos de inquisição e 50 de ditadura. Falar da sua vida íntima era realmente um perigo, falar do seu ponto de vista politico, sexual, falar do divórcio, dos problemas dos filhos era um risco porque nunca se sabia o que o outro ia fazer com essa informação. Daí que o Porto – e o país em geral - tenha casas com paredes tão altas, blindadas com percianas sempre fechadas. Em Amesterdão nem sequer há cortinas. Aqui, raramente vejo uma casa com a janela aberta. O português tem uma distância enorme entre o exterior e o interior. Em tudo, incluindo a mente.

 O português encena-se a si próprio quando sai de casa?

Talvez, mas não mais do que qualquer outro povo. O que acontece é que o português tem simplesmente assuntos que são tabu. Mas esta nova geração vai ser diferente. Notei isso nos meus alunos. Os rapazes e as raparigas são íntimos sem que isso implique sexo. Isso é novo em Portugal.


 

Foi mesmo salvo por Portugal, como costuma dizer, ou foi só uma coincidência geográfica?

Não foi tanto o país, podia ter sido qualquer outro em que não se falasse sempre de Sida. O meu irmão tinha morrido com HIV. Eu estava de tal maneira traumatizado, que precisava de paz, de tranquilidade, de um sítio isolado. O isolamento de Portugal ajudou-me nessa altura. As coisas ainda não tinham chegado cá. Ninguém falava de Sida, de homossexualidade, nem os próprios homossexuais. Quando se começou a falar de Sida aqui, os índices da doença já eram altíssimos.


 

Os portugueses vão três vezes às urnas este ano. Obama toma posse amanhã. Tendo dupla nacionalidade, suponho que vote nos dois países. O que empolga mais?

Sim, votei por Obama no estado de Nova Iorque, que era a minha última residência. As eleições são importantes cá e lá, mas na verdade o que conta é o que se faz nos Estados Unidos da América, porque afecta todo o mundo. O que se faz em Portugal afecta o país e um bocadinho os palops, no máximo. Evidentemente, penso mais em Obama, e no que ele pode fazer para dar uma volta à situação económica, ecológica, à educação, à saúde, e sobretudo à política internacional.

Há alguma hipótese de Obama ser uma decepção?

Feliz ou infelizmente temos expectativas muito altas em relação a ele. Em parte, porque o mundo está muito mau. Economicamente é um desastre, o pior desde a Grande Depressão, em 1929. Depois, a presidência de Bush foi catastrófica. É evidente que em algumas áreas ele vai ser uma decepção, é inevitável. Não sei em que áreas será, mas será. Mas ele pode começar de novo: vai desmantelar Guantanamo e isso é excelente. Guantanamo é uma vergonha mundial. Tenho dificuldade em imaginar os EUA com uma prisão em que os prisioneiros não têm direito a falar com advogados, nem sabemos o que lhes está a acontecer. Nós, americanos, temos uma Constituição, temos direitos fundamentais, e isso faz parecer que Guantanamo é impossível, mas é possível. Obama fala em rever o protocolo de Quioto, o sistema nacional de saúde, a política em relação ao Iraque e, provavelmente, poderá dar a volta ao conflito de Gaza.

O seu orgulho de identidade é mais americano ou mais português?

Não tenho orgulho em ser americano porque não foi uma coisa que escolhi - nasci assim, americano. Estou contente por o povo americano ter finalmente votado em alguém inteligente, carismático e com ideias progressistas. Mas só tenho orgulho das coisas pelas quais tenho responsabilidade: orgulho de escrever os livros que escrevo; orgulho de manter há 30 anos uma relação com o Alexandre Quintanilha; orgulho pelas coisas difíceis que ultrapassei.

Consegue imaginar o escritor que poderia ter sido se nunca tivesse saído dos EUA?

A cultura portuguesa afectou muito, e bem, a minha maneira de escrever. Os choques culturais são desagradáveis no momento, mas ensinam alguma coisa sobre o mundo e sobre nós próprios. Através de Portugal conheço-me melhor, as minhas capacidades, fraquezas, defeitos. É uma experiência muito importante viver moutro país. Toda a gente o devia fazer.

Mas nunca pensou que nos EUA as coisas poderiam te sido mais fáceis ou, pelo menos, mais rápidas?

Sim e não. Um aspecto dos EUA que pouca gente em Portugal comprende é a competitividade. Desde crianças estamos preparados sistematicamente para competir. Para entrar na minha Universidade, havia 10 mil candidatos para apenas duas mil vagas. Para o mestrado, foram aceites 20 candidaturas de 200. Para qualquer lugar - cientista, escritor, actor - há muita gente. Quando pensamos no paraíso que é estar no centro do mundo, nunca pensamos na concorrência. E essa é a parte mais difícil. Para um escritor conseguir publicar um livro nos EUA é preciso um agente, esse agente recebe 50 manuscritos por semana e desde 50 vai rejeitar 49 e meio. Não é fácil. Em Portugal, até muito recentemente, as pessoas produziam obras medíocres e tinham mercado.

Publica-se cada vez mais. Significa que ainda é assim...

...mas por razões diferentes. Há 20 anos não era necessário pensar muito: o escritor já tinha nome no mercado e continuava a publicar livros medíocres e a vender; os professores não eram avaliados, os medíocres tinham a mesma carreira dos que são excelentes. Tudo isto era muito típico em Portugal. Os meus alunos diziam-me que não se esforçavam porque já sabem que quem vai conseguir a vaga X ou Y é quem tem tio tal ou o primo tal. Este país está sistematicamente a produzir pessoas medíocres, em parte por causa do sistema de cunhas.

 Aprender outras línguas é mesmo a melhor droga que conhece? Melhor, como disse, do que a marijuana e o LSD?

Sim, a melhor droga alucinogénea é falar outra língua, abre vias do cérebro que não existiam antes. É fantástico. Já experimentei LSD e foi engraçado, mas outra língua dá um resultado mais permente.

É a droga que recomenda?

A toda a gente que quer uma experiência diferente da vida, sim.

Guarda sempre uma caneta no bolso para não se esquercer que na vida tem uma finalidade: escrever: esquece isso quando não a tem?

[Tira do bolso duas canetas] Se algum dia tiver alguma boa idea já tenho caneta [risos]. Em Peanuts (história de Banda Desenhada), Linus, o irmão mais novo de Charlie Brown tinha sempre um cobertor. Era a sua segurança. A caneta é a minha segurança também, não quero estar sem ela.

 Por que razão diz fugir dos escritores ou, pelo menos, não os querer no seu leque de amigos?

Exagerei quando disse isso, estava zangado. Tenho grandes amigos escritores, com os quais troco mails semanalmente. O problema é que alguuns escritores pensam que cada livro que eu vendo é menos um que eles vendem. Daí a competição. O meio literário é muito pequeno. Ganhei um premiozinho em França [prémio literário Alberto Benveniste] e não o disse aos meus amigos escritores porque sei que isso só vai criar neles irritação. O escritor raramente consegue ultrapassar a rivalidade para sentir o prazer pelo sucesso do outro. Se calhar é porque os escritores investem tanto nos seus livros. É como se fossem filhos.

Não existe um ser humano atrás do escritor?

Para muitos escritores é assim, não tem outra vida. Eu tenho e é uma sorte. Sou melhor pessoa por ter uma vida real além da minha escrita. Mas conheço escritores que ou escrevem livros ou fazem publicidade aos livros que escrevem. O mundo deles reduz-se a isso.

É possível haver genuína amizade nesse contexto?

É impossível. Tenho bons amigos escritores, mas não são competititvos. Não sou santo, quando um amigo meu ganha um prémio importante, tenho ciúmes, Mas eu tenho outra vida para além dos livros e por isso ultrapasso os ciúmes para poder sentir o prazer do sucesso do outro.

 Na escala de Richter, que impacto têm em si os prémios que já ganhou?

Quase zero [risos]. A sério. Claro que fico contente, é fantástico. Mas já tenho 53 anos. Se tivesse 30 anos poderia ter mudado a minha carreira e a minha maneira de pensar sobre o mundo, podia ter aberto caminhos para eu ser um nome mundialmente conhecido. Mas tenho 53 e não vai mudar grande coisa. Se calhar vou conseguir mais um escritor aqui ou mais vendas ali, mas não muda a opinião sobre a minha escrita.

 Mas a satisfação não tem que vir necessariamente do que muda em si, mas do que pode vir a mudar nos outros. Ou não?

Para mim um prémio representa o encorajamento de que todos precisamos. Infelizmente, não o recebi no momento certo. Quandome faltou a confiança, a minha mãe esteve lá, o Alexandre esteve lá, mas ninguém do mundo profissional me disse: “Você escreve bem, tem obstáculos, mas vai conseguir ultrapassá-los”. Custa-me dizer isto, mas agora já não preciso de um prémio ou de um crítico para me dizer que escrevo bem. Sei que escrevo. Não sou o melhor do mundo, mas sei que a minha escrita é interessante. E sim, em grande parte escrevo para provocar uma reacção emocional e intelectual no meu leitor. Não sei por que tenho essa necessidade - um psicólogo poderia dizer [risos] -, mas tenho. Quero mesmo influenciar o leitor.

 Livros seus, como “À procura de Sana”, ganharam agora uma súbita actualidade...

Sim, infelizmente...


 

Como é que um judeu lida com a desproporção de forças no conflito entre Israel e a Palestina?

Mal. É dificil falar desse assunto. Há demasiada emoção envolvida nesse assunto. O que Israel está a fazer é inaceitável a muitos níveis. Primeiro, criar colonatos nos terrirórios ocupados é evidentemente uma provocação - e é inaceitavel. Segundo, fazer de Gaza um gheto é também inaceitavel. Acabei de fazer uma pesquisa e escrever um romance sobre o gheto de Varsóvia. Muita gente vai ficar irritada por dizer isto, mas há muitas semelhanças entre os ghetos judaicos de antes do holocausto e Gaza. Ninguém pode entrar ou sair sem autorização de Israel, e isso é como em Varsóvia. Os hospitais não conseguirem medicamentos, comida, água, são coisas que me deixam doente.

 Prefere a versão da CNN ou da Al Jazeera sobre o conflito de Gaza?

Nenhuma. A propaganda dos dois lados é insuportável. Ouvi o Bernard Henry-Levi, que é um grande intelectual francês, a dizer que os palestinianos deviam agradecer a Israel os bombardeamentos porque o grande inimigo não é Israel mas o Hamas. A presunção deste judeu francês, este paternalismo a falar pelos palestinianos, a dizer o que eles deviam ou não gostar, deixou-me estupefacto. Isto só para mostrar os níveis de propaganda. Conseguir informações certas só é possível através da internet, de pessoas de confiança, ou a TV francesa – é essa que vejo.

Israel está á beira de declarar um cessar-fogo unilateral. A solução dos dois Estados é a sua solução?

É. Um só Estado é impossível. Os israelitas nunca aceitariam um país que não fosse sobretudo judeu. E com os índice de reprodução, mais cedo ou mais tarde, haveria maioria muçulmana. Um dos objectivos de Obama é criar um estado estável palestiniano, reforçar a autoridade palestiniana na Cisjordânia para que haja um governo estável democrático com quem Israel posa dialogar. Evidentemente, isso devia ser um objectiovo de Israel, só que israel faz tudo para não o fazer. Outra forma de propaganada insuportável é quando os israelitas e muita gente a favor da sua política diz: “Imaginem que havia bombardeamentos no Porto por parte dos espanhóis e tínhamos que fugir para caves”. Eu digo o contrário: “Imaginem que o Porto tinha um muro e que as pessoas não conseguiam água, comida, medicamentos e morriam crianças portuenses. O que faríamos ou pensaríamos dos espanhóis?” É uma situação insuportável.

Também acha, como o cardeal patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, que casar com um muçulmano é “um monte de sarilhos”?

Prefiro os preconceitos ditos de forma aberta e frontal do que escondidos. Não quero que ninguém tenha preconceitos, mas se os tiverem, prefiro saber. Se ele não acha boa ideia uma portuguesa casar com um muçumano porque eles não tem os mesmo valores, blá blá blá, eu não concordo, acho isso uma estupidez. Até porque há muçulmanos portugueses. Então, a que muçulmanos está ele a referir-se? E há casamentos péssimos entre católicos e níveis altíssimos de violência contra mulheres neste país. Falar de muçulmanos nesses termos é absurdo.

Licenciou-se em Duke, na Carolina do Norte, em Religião Comparada. Os preconceitos que prevalecem são responsabilidade da Igreja?

Durante séculos a igreja queria controlar a vida reprodutiva e sexual, sobretudo de mulheres, mas não só. Daí a posição deles sobre o aborto, o sexo antes do casamento, tudo o que envolve o corpo da mulher. Mas não quero dizer que há uma conspiração da Igreja para controlar a mente. A Igreja quer influenciar as pessoas e Portugal, sendo um país católico que durante séculos teve inquisição e uma presença muito vigiada por parte do Estado sobre tudo, é natural que inevitavelmente se deixe influenciar pelas posições da Igreja católica.É triste, mas é inevitável.

 Jonh, o rapaz inquisitivo do seu romance “Hunting Midnight”, é o personagem com que mais de identifica?

Em parte, sim.

Porque também se sacrifica habitualmente pelos outros ou porque também era solitário?

É engraçado porque ele pensa que é uma pessoa sem grandes capacidades, que não é nada de especial. Mas ao mesmo tempo ele é um grande herói, mesmo que sem fanfarra, sem explosões de música e clarões. O seu amigo Bushman diz-lhe: “Tu és o maior e o melhor caçador de todos”. É isso que é interessante na vida: há heróis de quem ninguém fala: pode ser uma mãe solteira que consegue criar dois filhos lindos e confiantes sem meios ou uma jovem lésbica de uma aldeia de Portugal que, apesar da discriminação e preconceito, consegue criar uma relação de amor estável com outra mulher. Estamos rodeados de heróis.

Quando o amigo de John morre, ele tem que aprender a viver sem máscara. Quando tirou a sua?

Eu era uma pessoa sem muita confiança sexual, não tinha a mínima noção das minhas capacidades, estava muito perdido. Acho que comecei a tirar a máscara quando me apaixonei pelo Alexandre e fui aceite por ele sem ter necessidade de me esconder, de mudar. Ele aceitou-me fisica, sexual, mental e espiritualmete sem que eu tenha tido de fazer qualquer esforço para o agradar. Foi aí o começo do fim da máscara. Depois foi necessário falar ao meus pais, o que não foi fácil, e ir conquistando a minha identidade. Hoje, não tenho nada contra quem não me aceita, maa sei que não vou mudar por causa disso.

A sua relação com Alexandre Quintanilha, que dura há 30 anos, é quase coisa de contos de fadas, não é?

[Risos] Sim, um bocado. Mas também temos problemas; não é perfeito. Mas temos respeito e amor mútuos, que é o mais importante.

 Por que razão, em pleno século XXI, se fala tão pouco de homossexualidade com essa sua abertura?

É uma questão difícil e complicada. Quando eu cresci, o homossexual tinha que ultrapassar os seus próprio preconceitos. Eu entrei em pânico, pensei: “Estou mais interessado em homens do que em mulheres. O que é que isso signfica? Vou ter que mudar a minha personalidade toda? Deixar de gostar dos Beatles e dos Rolling Stones e passar a gostar mais de Judy Garland?” Não tinha modelos de comportamento com quem pudesse testar a minha personalidade. E depois, nem todas as pessoas estão em posição de assumir a sua homossexualidade sem que isso lhes traga repercussões graves e terríveis na vida. Há jovens que se o dissessem aos pais, seriam corridos de casa. E os políticos portugueses se dissessem: “Tenho uma relação com este homem”, não conseguiriam as posições altas que ambicionam.

Acha mesmo que haveria essa relação de causa-efeito?

Não sei. Como ninguém o faz, não podemos saber. A homossexualidade só é assunto porque há preconceito. Caso contrário, seria tão banal como ter olhos azuis ou verdes, ser alto ou baixo. Luto para um dia seja assim.Eu não falo da minha sexualidade po mim; falo dela por causa do jovem que vive em Beja e da rapariga que vive em Vila de Conde. Ambos se sentem frágeis devido á sua sexualidade, não conseguem assumi-la porque estão rodeados de pessoas com preconceitos. Têm que viver atrás de uma máscara. É por causa deles que falo, para que entendam que podem ser felizes, realizados, viver com amor, com paixão, com tudo. E que não têm que mudar. É importante que cada um de nós viva como é.

Mas acha que pos políticos, artistas, etc, poderiam contribuir para a abertura de mentalidades se assumissem a sua orientação sexual com tranquilidade?

Os políticos – e os cozinheiros, os advogados, os escritores, os músicos - poderiam ter um efeito muito positivo sobre a sociedade portuguesa. Se falassem abertamente da sua vida íntima, as pessoas perderiam os tabus, aprenderiam a lidar frontalmente com os problemas, com a violência e as violações sobre crianças, a denunciar os abusos. Os tabus não criam uma sociedade saudável. É preciso muita gente a falar dos seus desejos, dos seus problemas, para receber a solidariedade das pessoas individualmente e da sociedade em geral. Mas não posso dizer que as pessoas têm obrigação de o fazer.

Helena Teixeira da Silva

in: http://jn.sapo.pt/blogs/jnverao/archive/2009/01/18/richard-zimler-quot-pa-237-s-era-medieval-em-80-quot.aspx


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