Realizador: Chaim Elbaum
Interpretes: Ori Lachmi, Omer Zonenshein, Yehonadav Perlman, Irzik Haikeh, Yariv Kook, Sigalit Ya'akobi
País: Israel
Ano: 2007
Duração: 28 Minutos
Idioma: Hebreu
Legendas: Espanhol, Inglês
Sinopse: Um jovem israelita ortodoxo sofre uma profunda solidão e angústia escondendo dos outros que é gay. O filme aborda a questão da homossexualidade na sociedade religiosa.
Entrevista do António Marujo a José Maria Castillo Sánchez.
Por António Marujo
Jesuíta durante 52 anos, abandonou a ordem aos 78. Hoje diz que a Igreja quer continuar a manter um grande poder sobre a sexualidade, mas que já não o consegue fazer. E que sofreu muito com a proibição que lhe foi imposta de deixar de ensinar Teologia. José María Castillo Sánchez, granadino nascido em 1929, viveu quase toda a sua vida como padre da Companhia de Jesus. Saiu, abandonando também o
ministério de padre, para manter a liberdade de pensar. Diz que há um grande medo na Igreja, critica a pressão do Vaticano sobre os teólogos e assume que a Igreja Católica deve voltar a um modelo mais próximo e fiel ao Evangelho de Jesus. Assegura que não quer uma Igreja paralela nem reinventar a que existe, mas que esta tem de mudar muitas coisas. Por duas vezes, em Outubro último e um ano antes, José María Castillo participou nos colóquios Igreja em Diálogo, promovidos em Valadares pela Sociedade Missionária da Boa Nova e organizados pelo filósofo e teólogo Anselmo Borges. Na apresentação que dele fez em Outubro, Anselmo Borges disse: “É um homem livre.”
ENTREVISTA:
Deixou os jesuítas aos 78 anos, após 52 anos na ordem. A sua vida foi um engano?
Não, não tenho essa sensação. Fiz o que tinha a fazer em cada momento. A partir dos anos 1980 comecei a ter dificuldades em publicar livros. Os jesuítas são uma ordem de gente muito aberta, há uma grande liberdade. Por isso há gente de extrema-direita e de extrema-esquerda, conservadores e progressistas. Os jesuítas a mim não me colocaram dificuldades. Não tenho queixas contra os jesuítas.
Foi a Congregação para a Doutrina da Fé, do Vaticano?
Sim. Mas quero que conste a minha gratidão para com os jesuítas. Tudo o que sou e sei devo-o aos jesuítas. O que acontece é que a Companhia de Jesus é uma instituição dentro de outra instituição maior que é a Igreja [Católica].
É daí que vêm as dificuldades. Sobretudo os pontificados de João Paulo II e, agora, de Bento XVI, têm sido muito duros com a teologia.
Começou por ter problemas em 1988, ao criticar o modelo de Igreja. O que estava em causa?
Na realidade, não sei. Proibiram-me que continuasse a ensinar Teologia. Pedi insistentemente que me dessem uma explicação, nunca a consegui. Esse é um dos problemas: condenam-se os teólogos, muitas vezes, sem dizer-lhes exatamente o que está em causa…
No meu caso, é claríssimo: a única explicação que me deu o provincial [superior] dos jesuítas [em Espanha] é que o atual Papa, quando era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Ratzinger, foi visitar o geral dos jesuítas com o cardeal de Madrid.
O que falaram não sei. A Santa Sé não me comunicou e o geral dos jesuítas, o padre [Peter-Hans] Kolvenbach, só me falou de um desafeto para com a Igreja, de um espírito crítico. Mas não me referiu pontos concretos contra a fé, porque eu tive muito cuidado em não atacar nenhuma dessas questões. Para mim foi um golpe muito duro: tive uma depressão muito forte.
O seu blogue intitula-se Teologia sem censura. A teologia continua a ser censurada?
Agora, mais do que nunca.
Mais do que nos tempos do Papa Pio XII, por exemplo?
Sim. O controlo agora é muito forte, através dos bispos, mais do que em nenhuma outra instância. Falei com um professor de um importante instituto teológico de Roma, que me referia o clima de medo que há nos seminários e institutos. Sobretudo entre os professores, porque as denúncias são muito frequentes e as pessoas têm medo de perder o posto de trabalho. O medo bloqueia as pessoas. O medo paralisa.
Isso tem consequências?
Deu-se um fenômeno terrível desde [o Papa] Paulo VI: o empobrecimento da teologia. Passou a geração dos grandes teólogos que fizeram o Concílio [Vaticano II] e não apareceu outra. Pode haver muitos fatores, mas é claro que a pressão de Roma é muito forte. A criatividade teológica desapareceu.
Este foi o motivo principal que me motivou [a sair]. Pensei durante mais de 25 anos: em 1983, já tinha pedido ao meu provincial para sair dos jesuítas. Já nessa altura era muito difícil…
Não foi um processo brusco?
Não, foi longo e muito duro. Fez-me muita luz ler o diário do padre [Yves] Congar. Ele conta o drama que viveu nos tempos do Papa Pio XII: foi três vezes desterrado de França, teve tentações sérias de suicídio… [Bernard] Häring, pouco antes de morrer, dizia, num pequeno livro [A Igreja Que Eu Amo, ed. Figueirinhas], que teve dois processos: um da Gestapo, durante a II Guerra Mundial, e outro do Santo Ofício, depois do Concílio. E dizia: “Prefiro o da Gestapo, é mais suportável.”
Dizia que, para si, foi também muito duro…
Sobretudo os oito anos em que estive com uma depressão. Tive uma circunstância que me ajudou a ultrapassá-la: a proibição [de ensinar Teologia] foi em 1988. Em 1989, deu-se o assassinato de seis jesuítas em El Salvador. Pediram ajuda a jesuítas espanhóis que pudessem ir para lá. Perguntei se podia ir. Como era uma universidade católica não sujeita à disciplina da Congregação para a Doutrina da Fé, pude ir ensinar, três meses por ano, desde 1990 e durante 15 anos.
Para mim foi muito rico, não me senti totalmente excluído. O encontro com o sofrimento do Terceiro Mundo foi determinante. Na evolução do meu modo de ver a sociedade e a função da teologia, o papel e o trabalho da Igreja, foi uito enriquecedor.
Dá a impressão que as condenações do Vaticano são, sobretudo, para quem fala da estrutura da Igreja e de questões morais. É assim?
A Igreja acabou por se organizar de maneira que o centro da vida cristã de muita gente não é já o Evangelho, mas a própria Igreja. Para muitas pessoas, tem mais importância o que diz o Papa do que o que diz o Evangelho.
Isto é uma traição ao Evangelho, uma desorientação total em relação ao que a Igreja tem de fazer no mundo: não magnificar a figura do Papa e do poder eclesiástico, mas exatamente o oposto, fazendo o que Jesus disse aos discípulos, que deviam ser como crianças, que tinham de andar pela vida sem dinheiro, sem sandálias… Hoje, uma viagem do Papa é exatamente o
contrário.
Criticou no seu blogue, em tempos, o modelo dessas viagens. O Papa não deve viajar?
Deve viajar, mas como um cidadão, apresentando-se modestamente. Não deveria ser chefe de Estado, pois isso não faz parte da fé nem faz nenhum bem à Igreja. Devia retirar todo o protocolo e a diplomacia, pois isso é hipotecar a liberdade do Papa e da Igreja. Não se sabe quantos milhões de euros custa uma viagem do Papa. Não me parece que os valores que se gastam tenham justificação pastoral, apostólica, evangélica, teológica ou religiosa…
Não faz falta também que, nas viagens, o Papa possa escutar o que sentem as comunidades católicas, as vozes alternativas?…
Claro, teriam de ser organizadas de maneira completamente diferente, para que o Papa pudesse escutar as pessoas, inteirar-se do que se passa em cada sítio. Uma das experiências mais curiosas que tive, enquanto simples padre, foi que, ao sair dos jesuítas, passou a haver gente que já nem sequer me saúda. Eu pensava que eram grandes amigos. Eram amigos do jesuíta, não de José Maria. As pessoas relacionam-se com a personagem, não com a pessoa.
Fala de católicos?
Sim. Religiosos, padres… Bispos nem falo, porque sei que, em Espanha, eles têm uma lista de nomes proibidos. E eu estou na lista. Se eu for dar uma conferência em qualquer sítio de Espanha, tem de ser num lugar laico. Se for num sítio religioso raramente me chamam, mas, se o fazem, o bispo proíbe-o.
No seu livro La Humanización de Dios (A Humanização de Deus), sugere que a teologia e a Igreja deveriam preocupar-se mais com o humano e menos com o celestial…
Não pode ser outro caminho. A razão tem a ver com o mistério central do dogma cristão: a encarnação de Deus, em Jesus. Deus, para salvar, humanizou-se. O caminho da salvação é o caminho da humanização.
A Igreja não pode pretender emendar o projeto de Deus. Tem de ser, antes, humanizada no ser humano como foi Jesus, que viveu de maneira determinada e como um trabalhador normal.
Eu tão-pouco gosto muito de exaltar a pobreza… Vivi mais de 50 anos o voto de pobreza e agora é que me dou conta do que realmente significa a pobreza.
Vive com dificuldades?
Não passo dificuldades, porque vivo com uma família numa casa onde não falta nada. Mas vivo com a pensão mínima de Espanha que, com os complementos, fica em 600 euros. Mas, se eu receber mais de seis mil euros por ano de outras origens, como os livros, fico apenas com 340 euros mensais…
Para mim, houve dois motivos para sair: a liberdade de pensar e dizer o que penso. E o segundo foi viver a normalidade, não ser uma pessoa notável, distinguida. Ser um cidadão qualquer e morrer como um cidadão qualquer. Não sei se estou equivocado, se sou utópico ou um ingênuo.
Falávamos do seu livro e da humanização de Deus…
O projeto de Deus para salvar foi o de humanizar-se. A Igreja e a teologia nunca o deveriam esquecer. O caminho da salvação não é o da divinização nem o do endeusamento, mas o da humanização. Só humanizando-nos, sendo cada vez mais profundamente humanos, podemos corrigir este mundo, aliviar o sofrimento humano, dar esperança às pessoas, estar perto de quem sofre.
No livro Las Victimas del Pecado (As Vítimas do Pecado), critica fortemente a relação entre pecado e castigo de Deus. Isso continua relacionado com a atitude da Igreja?
Claro, porque dá jeito à Igreja o tema do pecado, para exercer e potenciar o seu poder. O poder específico da religião é o poder sobre as consciências, a religião não tem poder civil…
Não tem exércitos, como pensava Estaline…
… mas tem um poder que nenhum poder humano tem, que é o poder sobre a consciência. O poder civil e militar até pode tirar a vida. Mas a religião chega a algo mais íntimo e mais fundo, à intimidade da consciência, onde cada qual se sente a si mesmo como uma pessoa ou como um canalha.
Na cultura do tempo de Jesus, a doença estava ligada ao pecado, era um castigo do pecado. Ele rompe com isso. Quando cura ou perdoa, o que devolve em primeiro lugar, antes da saúde, é a dignidade da pessoa.
Escreve também que Jesus foi morto por razões religiosas e políticas. Por quê?
A razão fundamental é que ele enfrentou claramente a concepção de Deus do judaísmo daquele momento. Havia a ideia de um Deus ameaçador e castigador, juiz. Jesus propõe como modelo o pai que perdoa todos e acolhe sempre, o pai do filho pródigo, que acolhe o que se perde e censura o que está a trabalhar em casa.
Jesus foi laico. O seu conflito mais forte foi com os sacerdotes [judaicos], com os funcionários do Templo, com a lei [religiosa], dizendo que o homem não era para o sábado, mas o sábado para o homem – ou seja, o homem não é para submeter-se à lei, esta serve para potenciar a humanidade.
Quando à religião se lhe tira o templo, os sacerdotes e a pressão sobre a consciência, o que fica? Fica-se sem o aparato que a sustém e a torna importante. O que interessa é uma religião que humanize, que nos liberte da desumanização e nos torne cada vez mais humanos.
Mas Jesus tinha de ser morto ou não? Há uma teologia que diz que Jesus tinha de ser morto para cumprir a vontade de Deus…
Isso já é a reinterpretação de Paulo, depois da ressurreição. Paulo não conheceu Jesus e dizia que Jesus “segundo a carne” não lhe interessava. Não se interessou em saber por que mataram Jesus, mas defronta-se com a questão de ele ter morrido crucificado, que era a morte mais horrenda daquele tempo.
Por outro lado, Paulo via Cristo glorificado e exaltado como filho de Deus.
O cristianismo primitivo viu-se com a dificuldade de explicar como acreditava num Deus crucificado. Paulo encontrou a explicação na teologia do sacrifício e da expiação do Antigo Testamento, que não está no Evangelho: Jesus foi morto porque teve um confronto com os poderes religiosos e, indiretamente, também com o poder político.
Fala também do modo como a Igreja vê ainda Jesus, quase numa perspectiva monofisista subtil. O debate vem dos primeiros séculos: Jesus era Deus ou homem?
Em primeiro lugar, foi homem. Através de São Paulo e dos Atos dos Apóstolos, sabemos que foi exaltado depois da ressurreição. Jesus é Deus? Esta é uma pergunta que supõe que eu já sei quem é Deus e como é Deus. Esse é o problema: Deus é o transcendente e não está ao nosso alcance.
E não se sabe como é?
Não sabemos. Deus está além do limite da nossa capacidade de conhecimento. Por isso é Deus. Quer dizer que o que conhecemos são representações de Deus que nós fazemos. Por isso, cada religião representou-o de maneira diferente.
O cristianismo tem um problema tremendo: o Deus do Antigo Testamento, que é nacionalista e violento, também é o Deus dos salmos, de amor e bondade. Os textos da violência, no Antigo Testamento, são terríveis.
Depois, há o Deus de Jesus, encarnado e humanizado. Não vale dizer que há um progresso de revelação, isso seria uma contradição. Porque se é nacionalista e violento, não pode ser Deus para todos e sempre bom. São coisas contraditórias.
Em que sentido?
O cristianismo confronta-se com três imagens de Deus. O mínimo que se pode pedir a uma religião é que tenha claro em que Deus crê. O cristianismo não tem nem pode ter. Uma pessoa que vá à missa ao domingo ouve um texto de violência na primeira leitura, depois um texto de Paulo falando do sacrifício e de Deus necessitar da morte do seu filho e, finalmente, um
texto sobre Jesus, que amava as crianças, os pobres e os pecadores. Não se pode estar de acordo com coisas contraditórias.
Falava do controle da Igreja sobre as consciências. Mas isso é na moral sexual porque, se falamos de questões sociais e de dinheiro, a Igreja parece menos dura…
A Igreja tem uma moral sexual que vai até ao último detalhe. Na moral social e econômica, são afirmações genéricas. E isto vem de São Paulo. Ele condenou a homossexualidade e a Igreja não a tolera. Isso é uma coisa terrível. A pressão social faz com que muitos [homossexuais] não saiam do armário. E entre o clero também há muitos.
É uma questão de poder. Quem controla a vida afetiva e sexual de uma pessoa controla a pessoa. Por isso o controle da sexualidade é tão forte na Igreja – ou pretende ser, porque cada vez mais as pessoas fazem menos caso, é um fracasso.
Isto não sucede só na Igreja Católica. Há grupos protestantes que são enormemente estritos em tudo o que é sexual e enormemente tolerantes em tudo o que é econômico. Trata-se de uma questão de poder. O dinheiro dá poder. Estar perto dos que têm dinheiro dá poder. E também o controlo da sexualidade, da afetividade e da emotividade, dá poder.
Nessa estrutura de poder, o que deveria mudar?
A Igreja teria de ser repensada de modo completamente distinto. Primeiro, mudar o papado. Não a pessoa do Papa, mas a instituição, que teria de inspirar-se no que foi o modelo da vida de Jesus e dos discípulos. E pensar até onde pode o papado aproximar-se desse modelo. Não sou tão ingênuo pensando que vá mudar já. Mas há coisas que se poderiam fazer: que os eleitores do Papa não fossem os cardeais, mas as conferências episcopais; segundo, que o cargo não fosse vitalício, mas a prazo; depois, que deixasse de ser chefe de Estado…
Isso significava acabar com a diplomacia do Vaticano?
Sim, acabar com tudo isso. A Igreja não tem de relacionar-se por interesses ou pactos políticos, mas pela sua exemplaridade evangélica. Quando o Papa vai a um país, não pode anunciar o Evangelho. Faz um discurso convencional, de coisas muito genéricas. Diz-se coisas mais concretas, são relacionadas com a sexualidade ou com os direitos e privilégios da Igreja. Mas não mais.
Essas mudanças como devem acontecer? Por decreto do Papa, com um concílio, pela base?…
Não me parece, estou muito pessimista, agora. Um Papa nunca irá assinar tal decreto. E um concílio, agora, não quero que aconteça. Porque o papado de João Paulo II foi muito longo e Bento XVI segue a mesma linha. Nestes mais de 30 anos, houve uma política de nomeação de bispos que têm de ser integralmente submissos e obedientes a Roma, com uma mentalidade
fundamentalmente conservadora. E, para que tenham estas duas coisas, são gente sobretudo medíocre.
Então o que é preciso? Uma revolução?
A base, não uma revolução. Não sou partidário de uma Igreja paralela. Nem se trata de inventar agora a Igreja. O que pretendo é recuperar as origens, a inspiração profética e carismática de Jesus.
Não tenho direito nem a pedir que voltemos ao Evangelho? Naturalmente, vivendo-o noutras circunstâncias, com a cultura, o desenvolvimento, a economia, a sociedade… Mas pode-se viver [como o Evangelho diz]. Monsenhor Óscar Romero viveu-o, em El Salvador. E mataram-no. O bispo Pedro Casaldáliga tem vivido assim no Brasil. Tantos bispos, tantos padres, tantas
religiosas que vivem isso… Isso dá jeito quando é para dizer que a Igreja se preocupa com o Terceiro Mundo, com o sofrimento… Mas, normalmente, essas pessoas estão mal vistas em Roma.
in Público, Terça-Feira 03/01/2012
logo3copy Comunidade Mundial de Meditação Cristã – Portugal
http://www.padrescasados.org/archives/2698/ha-medo-na-igreja/