ESPAÇO DE ENCONTRO E REFLEXÃO ENTRE CRISTÃOS HOMOSSEXUAIS em blog desde 03-06-2007
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publicado por Riacho, em 02.04.17 às 15:29link do post | favorito

 

Gilbert Baker, ativista e ex-soldado que aprendeu a costurar sozinho, morreu aos 65 anos

O artista norte-americano Gilbert Baker, criador da bandeira com um arco-íris que se tornou símbolo do orgulho gay, morreu aos 65 anos, revelou, na sexta-feira, o seu amigo de longa data e ativista Cleve Jones.

Gilbert Baker criou a famosa bandeira com oito cores para o dia da liberdade homossexual em 1978, uma iniciativa que mais tarde inspirou as marchas do "orgulho gay", que se instituíram por todo o mundo.

O ex-soldado, que aprendeu a costurar sozinho quando tinha vinte anos, esteve envolvido no nascimento do movimento Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgéneros (LGBT) em São Francisco (oeste dos Estados Unidos).

 

Gilbert Baker tornou-se próximo do político e ativista dos direitos LGBT assassinado Harvey Milk.

"Tenho o coração partido. O meu melhor amigo partiu. Gilbert deu ao mundo a bandeira do arco-íris e deu-me a mim 40 anos de amor e amizade", escreveu Cleve Jones no Facebook.

 

"Não consigo parar de chorar. Amo-te para sempre, Gilbert Baker", acrescentou.

Cleve Jones não divulgou a causa da morte, mas o jornal "San Francisco Chronicle" escreve que o artista morreu durante o sono, na sua casa em Nova Iorque, na noite de quinta para sexta-feira.

Cleve Jones convidou os amigos de São Francisco para uma vigília sob a bandeira do arco-íris do distrito de Castro, onde reside uma grande comunidade LGBT.

O anúncio da morte de Gilbert Baker provocou uma avalanche de homenagens nas redes sociais.

"Os arco-íris choram. Sem ti, o nosso mundo fica sem cores, meu amor", twittou o realizador Dustin Lance Black, que ganhou um Óscar pelo argumento do filme "Milk" (2008, com Sean Penn no papel de Harvey Milk) e criou uma série de televisão sobre o movimento LGBT, "When we rise".

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Gilbert Baker nasceu no Kansas (centro dos Estados Unidos) em 1951. Serviu dois anos no exército, segundo a sua página da internet. Morava em São Francisco na altura em que o movimento pelos direitos dos homossexuais começou a ganhar força.

Fonte: http://www.dn.pt/sociedade/interior/morreu-gilbert-baker-criador-da-bandeira-do-arco-iris-simbolo-do-orgulho-gay-5763958.html

 


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publicado por Riacho, em 03.05.16 às 00:52link do post | favorito

“Francisco faz um contundente alerta contra o moralismo que muitas vezes reina em ambientes cristãos e na hierarquia da Igreja Católica, visando fomentar o devido respeito à consciência e à autonomia dos fiéis: “nos custa dar espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes respondem o melhor que podem ao Evangelho no meio dos seus limites, e são capazes de realizar o seu próprio discernimento perante situações onde se rompem todos os esquemas. Somos chamados a formar as consciências, não a pretender substituí-las” (AL 37). Nesta mesma direção, a formação moral das novas gerações deve se realizar de forma indutiva, de modo que um filho possa chegar a descobrir por si mesmo a importância de determinados valores, princípios e normas, em vez de impô-los como verdades indiscutíveis (AL 264)”, escrever Luís Corrêa Lima, professor no Departamento de Teologia da PUC-Rio, em artigo publicado na revista IHU On-Line desta semana.

Segundo ele, “a questão da homossexualidade é colocada lembrando que a Igreja deve assumir o comportamento de Jesus. Ele se oferece a todos sem exceção, com um amor sem fronteiras”.

Eis o artigo.

1. O pontificado de Francisco e o Sínodo

Francisco iniciou o seu pontificado com um firme propósito de renovação pastoral na Igreja Católica. Ele a convoca a ir às “periferias existenciais”, ao encontro dos que sofrem com as diversas formas de injustiças, conflitos e carências. O papa critica uma Igreja ensimesmada, entrincheirada em “estruturas caducas incapazes de acolhimento” e fechada aos novos caminhos que Deus lhe apresenta (FRANCISCO, 2013a). Esta abertura pastoral contemplou também os LGBT (gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais), que constituem uma população com crescente visibilização. Quando o papa retornou do Brasil a Roma, disse algo que teve muita repercussão: “Se uma pessoa é gay, procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para a julgar? [...] Não se devem marginalizar estas pessoas por isso” (FRANCISCO, 2013b). Esta declaração inédita na boca de um papa teve desdobramentos.

Nesse mesmo ano, ele convocou o Sínodo dos Bispos para tratar da família e seus desafios atuais, dando início a um período rico e criativo. A mensagem cristã no campo da sexualidade e da família tem uma grandeza e uma beleza inegáveis, mas também problemas e questionamentos inevitáveis. Em certos pontos, há uma notável disparidade entre o ensinamento da Igreja e vida da maioria dos fiéis.

No primeiro questionário preparatório do Sínodo, enviado a todas as dioceses católicas do mundo, perguntava-se, entre muitas outras coisas, que atenção pastoral se pode dar às pessoas que escolheram viver em uniões do mesmo sexo e, caso adotem crianças, o que fazer para lhes transmitir a fé. Entre 2014 e 2015, foram realizadas duas assembleias com três semanas de duração cada uma. Ocorreram muitos debates e entrevistas, produziram-se amplos relatórios, com uma notável repercussão na mídia. O Sínodo é uma instituição consultiva, bem como os seus relatórios e proposições. Após a sua realização, o papa publica uma exortação pós-sinodal, que é o ensinamento oficial da Igreja a respeito dos temas tratados. Neste caso, é o documento Amoris Laetitia, sobre o amor na família.

Mesmo sendo apenas consultivo, o Sínodo traz indicações muito relevantes sobre a situação eclesial, os consensos e as divergências existentes entre os bispos, que são muito importantes para o discernimento do papa. Os relatórios produzidos desde a convocação deste Sínodo apontaram claramente nesta direção: não mudar a doutrina sobre a família, fundada sobre a união exclusiva e indissolúvel entre um homem e uma mulher, mas ao mesmo tempo acolher sem condenar as pessoas que vivem em outras configurações familiares. O valor deste processo, mais do que os textos, é o debate aberto na Igreja sobre temas de sexualidade e família como nunca se viu nas últimas décadas. Isto ajuda a formar uma opinião pública que favorece a pastoral, a reflexão teológica e a recepção criativa da exortação pós-sinodal.

Na preparação da segunda assembleia, foram enviadas às dioceses perguntas sobre a atenção às famílias que têm “pessoas com tendência homossexual”, e sobre como cuidar destas pessoas à luz do Evangelho e propor-lhes as exigências da vontade de Deus sobre a sua situação. As dioceses alemãs e suíças responderam criticamente. Com base nas ciências humanas e na medicina, a orientação sexual é uma disposição inalterável e não escolhida pelo indivíduo. Por isso, falar simplesmente de “tendência homossexual” provocou irritação e foi percebido como uma expressão discriminatória (CEA, 2015, n. 40). A maior parte dos fieis considera justo o desejo de pessoas homossexuais de terem relacionamentos amorosos e formarem uniões. A exigência de que vivam em abstinência sexual foi considerada injusta e desumana. É inaceitável que homossexuais sejam considerados apenas como destinatários de uma pastoral, vistos como pessoas doentes ou precisando de ajuda. Deseja-se que sejam tratados com respeito e que seja apreciada a sua participação na Igreja. A impossibilidade de qualquer tipo de analogia entre o matrimônio (heterossexual) e a união homossexual, afirmada no primeiro relatório sinodal, não é aceita. Deseja-se que a Igreja reconheça, estime e abençoe as uniões homossexuais, ajudando os membros destas uniões a viverem valores importantes que têm, sim, analogia com o matrimônio (CES, 2015, n. 40).

Os questionários sinodais também foram respondidos por Juan Masiá, jesuíta radicado na Japão e pesquisador de bioética. Para ele, é necessário promover a acolhida de pessoas e de uniões homossexuais, bem como de famílias assim constituídas, na vida cotidiana e sacramental das comunidades eclesiais, sem discriminação. Deve-se reconhecer respeitosamente a legislação civil sobre as uniões homossexuais. É necessária uma revisão da hermenêutica bíblica, moral e teológica sobre a sexualidade à luz das ciências humanas, especialmente sobre a sexualidade pluriforme e as exigências educativas para uma convivência inclusiva. Não se pode afirmar taxativamente como ensinamento da Igreja a impossibilidade de analogia, mesmo remota, entre uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio. Seria presunçoso possuir o conhecimento certo e definitivo deste suposto desígnio divino (MASIÁ, 2015).

Mesmo com estas contribuições questionadoras, prevaleceram no Relatório Final do Sínodo os ensinamentos tradicionais da Igreja sobre a família fundada na união heterossexual e indissolúvel, juntamente com um olhar de misericórdia e uma busca de acolhimento dos que não vivem neste modelo. No encerramento da última assembleia sinodal, o papa fez um balanço bem realista das divergências entre os bispos:

Aquilo que parece normal para um bispo de um continente, pode resultar estranho, quase um escândalo – quase! –, para o bispo doutro continente; aquilo que se considera violação de um direito numa sociedade, pode ser preceito óbvio e intocável noutra; aquilo que para alguns é liberdade de consciência, para outros pode ser só confusão. Na realidade, as culturas são muito diferentes entre si e cada princípio geral [...] se quiser ser observado e aplicado, precisa ser inculturado (FRANCISCO, 2015c).

Muitos bispos, bem como a maioria dos fiéis de suas respectivas dioceses, não concordam com as posições dos alemães, dos suíços e do jesuíta radicado no Japão. As exortações pós-sinodais são elaboradas a partir dos consensos alcançados nas assembleias sinodais. E, neste aspecto, a Exortação Amoris Laetitia não é diferente. O magistério da Igreja em nível universal deve levar em conta os diferentes contextos dos Continentes e dos países. A tarefa de articular convergências e chegar a um denominador comum é complexa e difícil.

O papa Bento XVI certa vez relatou a missão que recebeu quando era cardeal, no tempo de João Paulo II, de coordenar o trabalho dos bispos para a elaboração do Catecismo da Igreja Católica. O livro deveria mostrar em que a Igreja hoje crê e como se pode crer razoavelmente. Ele confessa que ficou assustado com esta missão e duvidou que isso fosse exequível. Como é que pessoas vivendo em diferentes Continentes, não apenas geográficos, mas também intelectuais e espirituais, poderiam chegar a um texto com coesão interna e compreensível em todos os Continentes? Ele considera um prodígio o cumprimento desta missão (BENTO XVI, 2012). Diante da complexidade de se obter consensos e ao mesmo tempo de se respeitar as diferenças, o magistério tende a ser cauteloso nas inovações. A evolução das ciências, o senso dos fiéis e a teologia podem ajudar a Igreja a amadurecer seu juízo, mas isto leva tempo e este amadurecimento não é homogêneo. Porém, as igrejas locais, suas iniciativas apostólicas e a reflexão teológica podem avançar mais, criando um ambiente eclesial favorável para mudanças futuras de maior alcance.

2. A Amoris Laetitia (AL)

A Exortação do papa sobre a família é uma ampla dissertação, partindo da premissa de que a alegria do amor vivido nas famílias é também o júbilo da Igreja (AL 1). Muitas situações e questões contemporâneas são contempladas, lançando luzes sobre a vida familiar concreta. A Exortação está longe de ser um texto doutrinado abstrato e frio. A grande novidade está na forte sensibilidade pastoral, com matizes muito cuidadosos na aplicação da doutrina. Para o papa, nem todas as discussões doutrinais, morais e pastorais devem ser resolvidas com intervenção do magistério. Naturalmente, é necessária na Igreja uma unidade de doutrina e práxis, mas isto não impede que haja diferentes maneiras de interpretar alguns aspectos da doutrina ou algumas consequências que dela decorrem. Em cada país ou região, pode-se buscar soluções mais inculturadas, atentas às tradições e aos desafios locais (AL 3).

Francisco faz um contundente alerta contra o moralismo que muitas vezes reina em ambientes cristãos e na hierarquia da Igreja Católica, visando fomentar o devido respeito à consciência e à autonomia dos fiéis: “nos custa dar espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes respondem o melhor que podem ao Evangelho no meio dos seus limites, e são capazes de realizar o seu próprio discernimento perante situações onde se rompem todos os esquemas. Somos chamados a formar as consciências, não a pretender substituí-las” (AL 37). Nesta mesma direção, a formação moral das novas gerações deve se realizar de forma indutiva, de modo que um filho possa chegar a descobrir por si mesmo a importância de determinados valores, princípios e normas, em vez de impô-los como verdades indiscutíveis (AL 264).

Um dos desafios levantados é o das diversas formas de “uma ideologia, genericamente chamada gender (gênero), que nega a diferença e a reciprocidade natural de homem e mulher”. Afirma-se que ela promove uma identidade pessoal e uma intimidade afetiva radicalmente desvinculadas da diversidade biológica entre homem e mulher. Não se deve ignorar que o sexo biológico (sex) e o papel sociocultural do sexo (gender) podem se distinguir, mas não se separar (AL 56).

A questão da homossexualidade é colocada lembrando que a Igreja deve assumir o comportamento de Jesus. Ele se oferece a todos sem exceção, com um amor sem fronteiras. Às famílias que têm filhos homossexuais, reafirma-se que cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser acolhida e respeitada na sua dignidade, evitando-se toda discriminação injusta, agressão e violência. Um respeitoso acompanhamento deve ser assegurado, para que quantos manifestam a tendência homossexual disponham da ajuda necessária para compreender e realizar plenamente a vontade de Deus em sua vida. Porém, os projetos de equiparação das uniões homossexuais ao matrimônio são rejeitados por não haver comparação entre tais uniões e o desígnio divino sobre o matrimônio e a família (AL 250-251). A acolhida de pessoas homossexuais, já ensinada no Catecismo (n.3528), é trazida para o contexto das famílias com filhos homossexuais, onde isto é mais urgente. A oposição feita à equiparação das uniões homossexuais ao matrimônio, majoritariamente expressa no Sínodo, é reiterada na Exortação.

Em toda e qualquer circunstância, perante quem tenha dificuldade de viver plenamente a lei de Deus, deve ressoar o convite para percorrer o caminho do amor. A caridade fraterna é a primeira lei dos cristãos, conforme o mandamento de Jesus: “amai-vos uns aos outros, como eu vos amo” (Jo 15,12). Ela constitui a plenitude da lei (Gal 5,14). Sem diminuir o ideal evangélico, deve-se acompanhar com misericórdia e paciência as possíveis etapas de crescimento das pessoas, que se constroem dia a dia. A misericórdia do Senhor nos incentiva a realizar o bem possível (AL 306 e 308).

Não se pode dizer que todos os que estão numa situação chamada “irregular” vivem em estado de pecado mortal, privados da graça santificante. Um pastor não pode estar satisfeito apenas com a aplicação da lei moral aos que vivem nesta situação, como se fossem pedras atiradas contra a vida das pessoas. Por causa de condicionamentos ou de fatores atenuantes, pode-se viver na graça de Deus, amar e também crescer na vida da graça e da caridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja que inclui os sacramentos. Por isso, deve-se lembrar aos sacerdotes que o confessionário, onde comumente se ministra o sacramento da penitência, não é uma sala de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor. E a Eucaristia não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento aos que necessitam (AL 301, 305 e nota 351).

A questão do acesso aos sacramentos pelos que vivem em situação “irregular”, sobretudo os divorciados recasados, foi bastante polêmica desde a convocação do Sínodo. Há décadas que fiéis, pastores e teólogos buscam uma solução para isto. O papa não dá uma solução taxativa e abrangente, mas abre caminho aos pastores para que, no acompanhamento dos fiéis e no respeito ao seu discernimento, possam ministrar-lhes os sacramentos. As considerações sobre os fiéis em situação “irregular” também se aplicam aos que vivem em outras configurações familiares.

3. Em busca de caminhos

Como o próprio papa alertou, as culturas são muito diferentes entre si, e cada princípio geral precisa ser inculturado para ser observado e aplicado, com a devida atenção às tradições e aos desafios locais. E os fiéis, obedecendo à própria consciência, muitas vezes respondem o melhor que podem ao Evangelho no meio dos seus limites, com discernimento perante situações onde se rompem todos os esquemas. As conferências episcopais trazem contribuições importantes a esta inculturação e à pastoral, que são fruto de reflexões e práticas contextualizadas em diferentes realidades, com suas tradições e desafios.

A Exortação anterior do papa Francisco, Evangelii Gaudium, faz menção a um documento dos bispos franceses (EG, nota 60) reafirmando a doutrina da Igreja a respeito do matrimônio. Mas os bispos vão além. Eles repudiam a “homofobia”, empregando explicitamente este termo, e felicitam a evolução do direito que hoje condena toda discriminação e incitação ao ódio em razão da orientação sexual. Eles reconhecem que muitas vezes não é fácil para a pessoa homossexual assumir sua condição, pois os preconceitos são duradouros e as mentalidades só mudam lentamente, inclusive nas comunidades e nas famílias católicas. Estas são chamadas a acolher toda a pessoa como filha de Deus, qualquer que seja a sua situação. E numa união durável entre pessoas do mesmo sexo, para além do aspecto meramente sexual, a Igreja estima o valor da solidariedade, da ligação sincera, da atenção e do cuidado com o outro (CEF, 2012). Mesmo que não se equiparem ao matrimônio, são reconhecidos valores positivos nas uniões homoafetivas.

Outra menção do papa (EG nota 59) é um documento dos bispos norte-americanos sobre o ministério junto a pessoas homossexuais, com diretrizes para a assistência pastoral. Os bispos abordaram a questão do batismo de crianças criadas por uniões do mesmo sexo. Eles não aprovam a adoção de crianças por estas uniões. No entanto, aceitam que elas sejam batizadas se houver o propósito de que sejam educadas na fé da Igreja Católica (USCCB, 2006). Os bispos suíços, por sua vez, trataram da bênção de pessoas homossexuais. Eles afirmam que estas pessoas podem ser abençoadas, mas não a contração de uma união homossexual para não haver semelhança com o matrimônio sacramental (CES, 2002, nº3). Com isto, algumas possibilidades se abrem. No Ritual de Bênçãos da Igreja, por exemplo, há bênção de uma residência, com orações pelos que nela residem, bênção do local de trabalho e bênçãos para diversas circunstâncias. Portanto, pode-se abençoar pessoas homossexuais sem contrariar as normas da Igreja.

No Brasil, os bispos contemplaram este tema num documento sobre a renovação pastoral das paróquias. Eles tratam das novas situações familiares com realismo e abertura, incluindo as uniões do mesmo sexo. Os bispos reconhecem que nas paróquias participam pessoas unidas sem o vínculo sacramental e outras em segunda união. Há também as que vivem sozinhas sustentando os filhos, avós que criam netos e tios que sustentam sobrinhos. Há crianças adotadas por pessoas solteiras ou do mesmo sexo, que vivem em união estável. Eles exortam a Igreja, família de Cristo, a acolher com amor todos os seus filhos. Conservando o ensinamento cristão sobre a família, é necessário usar de misericórdia. Constata-se que muitos se afastaram e continuam se afastando das comunidades porque se sentiram rejeitados, porque a primeira orientação que receberam consistia em proibições e não em viver a fé em meio à dificuldade. Na renovação paroquial, deve haver conversão pastoral para não se esvaziar a Boa Nova anunciada pela Igreja e, ao mesmo tempo, não deixar de se atender às novas situações da vida familiar. “Acolher, orientar e incluir” nas comunidades os que vivem em outras configurações familiares são desafios inadiáveis (CNBB, 2014, nº217-218).

A tarefa de inculturar princípios gerais em diferentes contextos, bem como a de ajudar os fiéis a formarem sua consciência, deve ser assumida pela teologia. O papa exorta os teólogos a prosseguirem no caminho do Concílio Vaticano II, de releitura do Evangelho na perspectiva da cultura contemporânea. Estudar e ensinar teologia deve significar “viver em uma fronteira”, na qual o Evangelho encontra as necessidades das pessoas às quais é anunciado de maneira compreensível e significativa. Deve-se evitar uma teologia que se esgote em disputas acadêmicas ou que contemple a humanidade a partir de um castelo de cristal. Ela deve acompanhar os processos culturais e sociais, especialmente as transições difíceis, assumindo os conflitos que afetam a todos. Os bons teólogos, como os bons pastores, devem ter “cheiro de povo e de rua”, e com sua reflexão derramar “óleo e vinho nas feridas dos homens”, como o bom samaritano do Evangelho (FRANCISCO, 2015a).

Para o papa, o teólogo deve enfrentar o trabalho árduo de distinguir a mensagem de vida da sua forma de transmissão, de seus elementos culturais nos quais em um determinado tempo ela foi codificada. Não fazer este exercício de discernimento leva inevitavelmente a trair o conteúdo da mensagem. Faz com que a Boa Nova, verdadeiro sentido do Evangelho, deixe de ser nova e deixe de ser boa, tornando-se uma palavra estéril, vazia de toda sua força criadora, curadora e ressuscitadora. Assim se coloca em perigo a fé das pessoas de nosso tempo. A doutrina cristã não deve ser um sistema fechado, privado de dinâmicas capazes de gerar interrogações, dúvidas e questionamentos. Pelo contrário, ela tem rosto, corpo e carne, que se chama Jesus Cristo. É sua vida que é oferecida de geração em geração a todos os seres humanos, em todas as partes do mundo (FRANCISCO, 2015b).

A releitura do Evangelho na perspectiva da cultura contemporânea passa pelos estudos de gênero, que envolvem a diferença e a reciprocidade entre homem e mulher. Convém fazer alguns esclarecimentos e considerações. O termo “teoria de gênero”, do qual derivam as suspeitas de “ideologia de gênero”, é uma má tradução do inglês gender theory, pois neste caso theory não significa teoria, mas o conjunto de estudos teóricos. Os estudos de gênero são bastante heterogêneos. Às vezes eles se entrelaçam, mas outras vezes correm em paralelo sem se encontrar. Não há uma teoria unificadora contendo uma explicação abrangente. O que há é um acordo geral em considerar os complexos comportamentos, direta ou indiretamente concernentes à esfera sexual, como fruto de dimensões diferentes, não totalmente independentes e por sua vez complexas: o sexo anatômico, a identidade e o papel de gênero, e a orientação sexual. Não há uma coerência necessária entre o sexo anatômico, a percepção da própria identidade como masculina ou feminina, o desejo e a prática sexual. Na diversidade bio-psíquica de homem e mulher, há indivíduos heterossexuais e homossexuais, bem como indivíduos cisgêneros e transgêneros, que se identificam ou não com o sexo a eles atribuído ao nascerem.

Há uma perspectiva cristã de gênero propondo não renunciar à diferença entre homem e mulher e à sua importância fundamental, que tem raiz no sexo biológico e constitui o arquétipo do qual se origina a humanidade. Que não se pense nos processos sociais e culturais prescindindo in­teiramente do componente bioló­gico, da estrutura genética e neuronal do sujeito humano. Mas também que se evidencie o papel da cultura e das estruturas sociais, reconhecendo-se o mérito dos estudos de gênero em captar a relevância das vivências pessoais na definição da identidade de gênero. Isto contribui para a superação de preconceitos causadores de graves discriminações, que levaram e ainda levam à marginalização dos LGBT (PIANA, 2015).

4. Exemplos

A renovação pastoral promovida pelo papa também conta com gestos surpreendentes. No início de 2015, Francisco recebeu em sua casa a visita do transexual espanhol Diego Neria e de sua companheira Macarena. A história de Diego é emblemática da condição transexual, do preconceito feroz e do seu enfrentamento. Ele nasceu com corpo de mulher, mas desde criança sentia-se homem. No Natal, escrevia aos reis magos pedindo como presente tornar-se menino. Ao crescer, resignou-se à sua condição. “Minha prisão era meu próprio corpo, porque não correspondia absolutamente ao que minha alma sentia”, confessa. Diego escondia esta realidade o quanto podia. Sua mãe pediu-lhe que não mudasse o seu corpo enquanto ela vivesse. E ele acatou este desejo até a morte dela. Quando ela morreu, Diego tinha 39 anos. Um ano depois, ele começou o processo transexualizador. Na igreja que frequentava, despertou a indignação das pessoas: “como se atreve a entrar aqui na sua condição? Você não é digno”. Certa vez, chegou a ouvir de um padre em plena rua: “você é filha do diabo”! Mas felizmente teve o apoio do bispo de sua diocese, que lhe reconfortou e lhe animou. Diego se encorajou a escrever ao papa Francisco e a pedir um encontro com ele. O papa o recebeu e o abraçou no Vaticano, na presença da sua companheira. Hoje, Diego Neria é um homem em paz (HERNÁNDEZ, 2015).

Outros encontros com LGBT ocorreram, como uma visita a um presídio na Itália em que o papa teve uma refeição à mesa na companhia de presos transexuais. Nos Estados Unidos, Francisco recebeu na nunciatura apostólica o seu antigo aluno e amigo gay Yayo Grassi, e o companheiro dele. Grassi já tinha apresentado o seu companheiro ao papa dois anos antes. Este relacionamento nunca foi problema na amizade entre Grassi e o papa (GRASSI, 2015). Gestos como estes valem mais que mil palavras. Se todas as famílias que têm filhos ou parentes LGBT seguissem o exemplo do papa Francisco, recebendo-os em casa com seus companheiros, muitos problemas e dramas humanos seriam resolvidos.

No Brasil, começam a ser batizadas crianças filhas de uniões homoafetiva. Um batismo de gêmeos (na foto abaixo) ocorreu no Santuário do Cristo Redentor no Corcovado, Rio de Janeiro, em 2014. O padre Omar Raposo, que fez a celebração, declarou: “O batismo é para todos. A Igreja não nega o batismo a ninguém. Ao contrário, é mandato de Cristo que todos sejam batizados” (MACEDO, 2014). Assim a Igreja assume o comportamento de Jesus Cristo, que se oferece a todos sem exceção, com um amor sem fronteiras alcançando os que vivem em outras configurações familiares. A expressão maior deste amor acolhedor e inclusivo é o batismo das crianças.

5. Considerações finais

O pontificado de Francisco iniciou com um firme propósito de renovação pastoral da Igreja, voltando-se às periferias existenciais, criticando com consistência uma Igreja ensimesmada, entrincheirada em estruturas caducas incapazes de acolhimento e fechada aos novos caminhos que Deus lhe apresenta. O Sínodo dos Bispos sobre a família, com perguntas questionadoras, e a Exortação Pós-sinodal inovadora são passos muito importantes neste caminho. Cabe aos fiéis terem a coragem de obedecer à própria consciência e responder sem medo ao Evangelho em situações onde os esquemas se rompem. Cabe aos pastores buscarem criativamente as formas de inculturação dos princípios gerais, atentos às tradições e aos desafios locais. Cabe aos teólogos viverem na fronteira, assumindo com vigor os conflitos que afetam a todos.

O caminho da renovação pastoral é longo pois muitas estruturas caducas estão fortemente arraigadas na mente e na prática de várias comunidades eclesiais, em muitos ambientes. Certa vez, o papa deu um conselho precioso: “é melhor ficar longe dos sacerdotes rígidos, eles mordem” (FRANCISCO, 2015d). Não são só os sacerdotes rígidos que causam dano a tantas pessoas, mas também alguns movimentos religiosos e fiéis rigoristas. O papa Bento XVI já havia afirmado com lucidez que o cristianismo não é um conjunto de proibições, mas uma opção positiva. E acrescentou que é muito importante evidenciar isso novamente, porque essa consciência hoje quase desapareceu completamente (BENTO XVI, 2006). É muito bom que os papas reconheçam esse problema, pois há no cristianismo uma tradição multissecular de insistência na proibição, no pecado, na culpa, na ameaça de condenação e no medo. A historiografia fala de uma “pastoral do medo”, que com veemência culpabiliza as pessoas e as ameaça de condenação eterna para obter a sua conversão. Isto não se restringe ao passado, mas inunda o presente e devasta muitas pessoas, sobretudo os LGBT.

O ponto de partida do ensinamento cristão deve ser sempre o seu conteúdo positivo que é Boa Nova. O testemunho e a pregação de Francisco são primorosos quanto a isto, incluindo a Amoris Laetitia que começa com a alegria do amor vivido nas famílias. Mas os frutos são virão se as práticas e a pregações rigoristas forem neutralizadas, se todos forem devidamente alertados a ficarem longe delas. Os que sintonizam com o papa, onde quer que estejam, têm um papel imprescindível nesta grandiosa tarefa. A alegria do amor familiar deve inundar também os que vivem nas diversas configurações familiares.

Bibliografia:

BENTO XVI. Entrevista de Bento XVI em previsão de sua viagem à Baviera (I). 16/8/2006. .

____. Carta. In: Catecismo jovem da Igreja Católica. 2012.

CEA (CONFERENCIA EPISCOPAL ALEMANA). Respuestas de la conferencia episcopal alemana… . 2015. .

CEF (CONFÉRENCE DES ÉVÊQUES DE FRANCE). Elargir le mariage aux personnes de même sexe? Ouvrons le débat! 2012. .

CES (CONFÉRENCE DES ÉVÊQUES SUISSES). Note pastorale 10. 2002. .

____. Rapport de l’Eglise catholique de Suisse... . 2015. .

CNBB. Comunidade de comunidades: uma nova paróquia. 2014.

FRANCISCO. Solenidade de pentecostes. Homilia. 19/5/2013a.

____. Encontro com os jornalistas durante o voo de regresso. 28/7/2013b.

____. Carta. 3/3/2015a.

____. Mensagem. 1-3/9/2015b.

____. Discurso. 24/10/2015c.

____. Discurso. 20/11/2015d.

GRASSI, Y. Em Francisco, não há espaço para a homofobia. 6/10/2015. .

HERNÁNDEZ, A. B. El bendito encuentro entre Francisco y Diego. 26/1/2015. .

MACEDO, R. Igreja abençoa filhos biológicos de casal gay. 20/11/2014. .

MASIÁ, J. Sexualidad pluriforme y pastoral inclusiva. 2015. .

PIANA, G. Sexo e gênero: para além da alternativa. 16/7/2014. .

USCCB. Ministry to persons with a homosexual inclination: guidelines for pastoral care. 2006. .

Para ler mais:


Veja também:


Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/554405-os-lgbt-o-papa-e-a-familia


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publicado por Riacho, em 04.11.14 às 19:40link do post | favorito

"Os relatórios produzidos desde a convocação do Sínodo apontam claramente nesta direção: não mudar a doutrina e o ideal sobre a família, mas acolher sem condenar as pessoas que vivem em outros modelos familiares, incluindo as uniões homossexuais e seus filhos", afirma aritigo publicado pelo blog da Equipe Diversidade Católica, 02-11-2014. O artigo não é assinado.

Eis o artigo.

A Igreja Católica viveu um momento efervescente com a Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos sobre a Família. A mensagem cristã neste campo tem uma grandeza e uma beleza inegáveis, mas também problemas e questionamentos inevitáveis. Só se considera matrimônio, base da família, a união exclusiva e indissolúvel entre um homem e uma mulher, que entre os fiéis deve ser celebrada com um rito religioso próprio. Só se aceitam as relações sexuais praticadas no matrimônio, excluindo os métodos artificiais de controle da natalidade. No mundo atual, estas posições destoam da vida da grande maioria dos fiéis e contrastam com as novas configurações familiares. Os nós da moral sexual católica também dizem respeito aos gays.

Ao convocar o Sínodo, o papa Francisco enviou a todas as dioceses do mundo um documento preparatório com 39 perguntas, a fim conhecer melhor esta realidade e começar a transpor este abismo entre doutrina e prática. Entre as perguntas, que atenção pastoral se pode dar às pessoas vivendo em uniões do mesmo sexo? E, no caso de adotarem crianças, o que fazer para lhes transmitir a fé? Portanto, não se trata simplesmente de reiterar a doutrina. Buscam-se caminhos de inclusão e cidadania eclesial.

No ensinamento do papa, sobretudo em sua carta a Alegria do Evangelho (Evangelii Gaudium), o anúncio do amor salvador de Deus precede a obrigação moral e religiosa. Este anúncio deve curar todo tipo de ferida e fazer arder o coração, como o dos discípulos de Emaús ao encontrarem o Cristo ressuscitado. A Igreja deve ser sempre a casa aberta do Pai, onde há lugar para todos os que enfrentam fadigas em suas vidas, e não uma alfândega pastoral. O confessionário não deve ser uma sala de tortura, mas um lugar de misericórdia, no qual o Senhor nos estimula a fazer o melhor que pudermos. A Eucaristia não é prêmio dos perfeitos, mas alimento aos que necessitam e remédio generoso. Matizando a moral, o papa dá grande importância ao bem possível, às etapas de crescimento das pessoas que vão se construindo dia a dia.

Os relatórios produzidos desde a convocação do Sínodo apontam claramente nesta direção: não mudar a doutrina e o ideal sobre a família, mas acolher sem condenar as pessoas que vivem em outros modelos familiares, incluindo as uniões homossexuais e seus filhos. Pela primeira vez, não se fala em atos ‘intrinsecamente desordenados’ e contrários à lei natural, algo tão comum até recentemente. O que permanece é a recusa veemente de se equiparar legalmente união homo e união hétero. Estes relatórios não são ensinamento oficial da Igreja, e nem as conclusões da futuraAssembleia Ordinária do Sínodo, convocada para outubro de 2015. Tudo tem valor apenas consultivo. Só será ensinamento oficial a exortação pós-sinodal, a ser escrita pelo papa em 2016.

É certo que esta Exortação vai estar na linha do papa Francisco, estimulando a flexibilidade e o acolhimento. O valor de todo este processo até agora, mais do que os textos, são os debates abertos na Igreja como nunca se viram nas últimas décadas. É muito bom o superior geral dos jesuítas dizer publicamente que pode haver mais amor cristão em uma união irregular do que em um casal casado na Igreja. Ou um arcebispo nigeriano opor-se à criminalização da homossexualidade em seu país, e apoiar famílias que acolhem seus filhos gays com os respectivos companheiros. Tudo isto ajuda a formar na Igreja uma opinião pública que aceita e estima a diversidade sexual.

O cristão adulto, que está atento aos sinais dos tempos e encontra razões em favor da plena cidadania dos LGBT, não precisa esperar o apoio total da hierarquia católica para agir nesta direção. Porém, é muito importante aproveitar as oportunidades que podem surgir na Igreja, sobretudo em nível local, para o acolhimento das pessoas e a superação do preconceito. A homofobia religiosa tem uma longa história e uma considerável abrangência. Mas ninguém deve ser proibido de mudar para melhor, nem as pessoas, nem as instituições.


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publicado por Riacho, em 15.10.14 às 18:54link do post | favorito

"Muitas autoridades religiosas em diferentes países tentam se esconder atrás da afirmação de que 'ao defenderem o casamento' não estariam fazendo ou dizendo algo sobre ou contra os gays e lésbicas", escreve James Alison, que escreveu o livro “Jesus the Forgiving Victim: Listening for the Unheard Voice”, entre outros, em artigo publicado pelo sítio da revista jesuíta America, 08-10-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Eis o artigo.

O que se segue foi apresentado por James Alison no congresso internacional “The Ways of Love” sobre o trabalho pastoral junto à comunidade homoafetiva realizado em Roma, no dia 3 de outubro de 2014, antes do Sínodo dos Bispos sobre a família.

Gostaria de pedir-lhes que se juntem a mim para nos imaginarmos participando de uma cena familiar das Escrituras. Esta cena se encontra no Livro de Atos 10, mas será imaginada a partir de uma distância pequena: ela se reporta a aproximadamente uma semana dos eventos que serão descritos. Estamos na casa de centurião romano Cornélio, emCesareia. Talvez sejamos membros de uma família, talvez servos ou escravos. Junto de Cornélio, há muito nos acostumamos a ser cidadãos de segunda classe na casa de Deus. Quando acompanhamos o nosso mestre na sinagoga, somos chamados de “tementes a Deus” e a nós é permitido participar e seguir o culto a partir de um espaço cuidadosamente separado. Isso é assim porque, embora saibamos que o único Deus de Israel seja o verdadeiro e seguimos, com atenção, os pregadores de Moisés, nós não nos convertemos por completo. Então, não somos circuncisados se formos mulheres, nem participamos do jugo pleno da lei de Moisés com as suas observâncias e mandamentos.

Participamos, assim, cientes de que somos considerados impuros, que não devemos ser tocados. Frequentemente somos tratados com respeito e mesmo com simpatia genuína pelos que estão dentro da sinagoga se encontram, embora isto seja tingido invariavelmente com uma certa distância e condescendência.

Na semana passada, porém, algo estranho aconteceu. Cornélio enviou três de nós para Jope a fim de que chamássemos Pedro para nos visitar. Pedro aceitou o convite, e na verdade entrou em nossa casa, o que constituía, em si, uma raridade, visto que ele era um servo dedicado, e não um gentil como nós. Não foi engano algum: ele estava bastante ciente sobre o caso, dizendo-nos claramente que, muito embora seja sabido ser ilegal “para um judeu se associar a um gentil ou visitá-lo”, havia se convencido de que “Deus me mostrou que eu não deveria chamar as pessoas de profanas ou imundas”.

Ao ser convidado por Cornélio a falar, Pedro começou dizendo a nós que ele verdadeiramente compreendeu que “Deus não demonstra parcialidade, mas que todo aquele que o teme e faz o que é certo é aceitável para si”. Em seguida, falou-nos sobre uma mensagem de paz que havia enviado a Israel, mensagem da qual tínhamos, de fato, ouvido alguns relatos antes. Esta mensagem fora enviada através de alguém chamado Jesus, o Ungido. Descobriu-se que Pedro era amigo deste tal Jesus de Nazaré, que tinha sido um profeta cheio de obras de poder. Este homem fora condenado à morte como um blasfemador sedicioso, como se estivesse sob maldição de Deus. Mas Deus, ao ressuscitar Jesus da morte, mostrou que a assim-chamada maldição, da qual todos nós ouvimos e lemos na Torá de Moisés, não tinha nada a ver com Ele. E Jesus tem sido visto, desde então, por muitas das pessoas que o acompanharam antes. Na verdade, ele comeu e bebeu junto destas pessoas. Ficou-se claro que ele era a realização há muito esperada de uma série de profecias, muito embora ele as realizou de tal forma que ninguém poderia imaginar. Tendo sido tratado pelos seguidores da religião como alguém digno de condenação, descobriu-se que ele, na verdade, estava agindo com a inteira aprovação de Deus. Nesse sentido, por sua justificação, ele desfez grande parte da forma de se compreender Deus entre os religiosos de seu povo.

Bem, na verdade não esteve claro que Pedro havia compreendido por completo a parte em que ele mencionava que Deus não mostrara parcialidade, visto que parecia pensar estar nos falando, ao menos inicialmente, algo sobre Israel. E, com certeza, as pessoas que ele trouxe junto de si não haviam entendido mesmo. No entanto, na medida em que Pedro falava, todos nós nos encontramos dentro de um grande movimento do Espírito, louvando a Deus e falando línguas estranhas. Todos ficamos espantados, especialmente os que vieram junto de Pedro, dado que eles haviam visto isso antes, mas entre os circuncisados. Eles simplesmente não acreditavam que o mesmo estava acontecendo entre nós, cidadãos de segunda classe.

Na medida em que a cena se desenvolvia, ficava claro que aquilo dito por Pedro sobre Deus não mostrar parcialidade entre as pessoas, e de Deus dizendo a ele para não chamar ninguém de impuro ou profano, era de fato verdadeiro, muito mais do que o próprio Pedro pareceu compreender num primeiro momento. Nós estávamos nos vendo no lado de dentro deste movimento do Espírito da mesma forma que ele e outros estavam, e absolutamente nos mesmos termos de igualdade, sem qualquer distinção. O que mais nos surpreendeu foi como esta situação levou, em seguida, Pedro a falar a seus colegas que nos batizassem.

Já tínhamos ouvido um pouco sobre este sintoma: alguns entre os circuncisados se encontraram participando numa espécie de envolvimento com a vida e a morte de Jesus. Descobriram-se encorajados a serem filhos e filhas de Deus, tornando-se parte de um povo sacerdotal que Jesus inaugurou em sua vida e morte: um povo sacerdotal que era, na verdade, a realização daquilo que Israel fora chamado a ser. E Pedro, lá na casa de nosso mestre, de repente reconheceu que a substância de que se tratava o batismo tinha se manifestado claramente entre nós, que éramos os gentios. Como, então, ele poderia manter afastado de nós o sinal? Portanto, disse a seus companheiros que nos batizassem em água. E ficamos surpresos ao ver-nos partícipes na vida de Deus, partícipes na santidade de Deus, sem qualquer distinção baseada na compreensão de Pedro, ou nossa mesmo, sobre o que é necessário para ser um partícipe na vida de Deus.

Bem, cada um de nós estava chocado com o outro que estava próximo: os cidadãos de primeira classe descobrindo-se no mesmo nível que nós, sem toda a pureza deles e com o sentido de separação desfeito, e ainda precisando superar certa repugnância no lidar com pessoas como nós; e os cidadãos de segunda classe precisando se acostumar a levar a si mesmos a sério e a se comportarem como filhos e filhas, em vez de filhos servos obscenos que tivessem uma espécie de desculpa internalizada em si para a impureza.

Como podemos imaginar, esta notícia começou a se espalhar muito rapidamente. Alguns dos amigos e colegas mais conscienciosos de Pedro ficaram um tanto irritados e pensaram que Pedro, que tinha a reputação de ser impetuoso, estava sendo, nalgum sentido, frívolo ou barato ao agir da forma como agia. Assim, Pedro precisou se explicar emJerusalém. Felizmente, ele não cedeu, muito embora havia uma grande pressão sobre ele para voltar atrás e pedir desculpas pelo que ele tinha feito (salvando, assim, a cara daqueles que realmente precisavam, aí, serem pessoas como nós, de forma que se sentissem especiais). Na verdade, Pedro disse a todos de forma bem clara: “O Espírito me disse para ir junto deles e não fazer distinção entre eles e nós.” Pedro também descreveu como o Espírito Santo caiu sobre nós enquanto falava, e como percebera que “se Deus lhes deu o mesmo dom que deu a nós quando acreditamos no Senhor Jesus Cristo, quem seria eu para levantar obstáculos a Deus?” Isso foi o motivo para se começar a ponderar e, pouco a pouco, começou-se a perceber que até mesmo nós poderíamos estar incluídos no mesmo dom de perdão que eles, com a vida que flui a partir dele.

Ora, isso aconteceu há alguns anos... nós ainda estamos esperando para ver quais serão as consequências, como será para nós sermos partícipes na Casa do Senhor, filhos e filhas com dignidade igual, todos participando num sacerdócio cujo único requisito de pureza é a do coração. Será interessante ver: Eles irão derrubar suas regras ritualísticas de alimentação por nós? O que eles pensarão de nós por não precisarmos ser circuncisados, não tendo que aceitar todos os mandamentos que constitui o código de pureza deles? E o que faremos da liberdade de nos considerar cidadãos de primeira classe, partícipes, filhos e filhas, e não servos ou estrangeiros na vida de Deus? Qual será a forma de santidade que está vindo sobre nós?

Penso que este relato nos dá uma ideia de onde nos encontramos enquanto católicos LGBTs no presente momento, e eu gostaria de desenvolver com vocês quatro pontos que se seguem a partir daqui.

Uma questão de cristianismo básico

Em primeiro lugar, devido ao que temos sido ao longo dos últimos anos como católicos LGBTs, ficou cada vez mais claro para nós do que se tratava, realmente, as consequências decorrentes da morte e ressureição de Jesus. Jesus em seu ensinamento e por seus sinais poderosos deu testemunha de Deus, que não tinha nada a ver com um tal código de pureza, sem tolerância para quaisquer exercícios religiosos. Ele, no entanto, teve um grande interesse por aqueles considerados inaceitáveis pela sociedade de seu tempo. Por fim, foi considerado blasfemo e subversivo por uma confluência das autoridades religiosas e civis, sendo então morto. O seu assassinato foi feito de tal forma que fosse oficialmente considerado como tendo vivido sob maldição divina.

A sua ressureição foi muito mais do que a demonstração da existência de uma vida após a morte, algo que, em todo caso, muitos de seus contemporâneos já acreditavam. A sua ressureição foi a justificação do alto de que toda a estrutura religiosa e política que tinha sentenciado-o à morte estava sob o juízo de Deus. Noutras palavras, foi a justificação de que ele, Jesus, que tinha parecido ser – para todos os efeitos – transgressor blasfemo e subversivo, estava dizendo a verdade sobre quem é Deus em seu ensinamento. Isso significa que absolutamente qualquer um, de qualquer país sob o sol, que possa perceber ter estado envolvido com algum tipo de construção falsa e violenta da bondade e maldade a que Jesus deu um fim tem condições de ser perdoado por isso, e portanto pode entrar e participar na vida do Deus Vivo sem qualquer marca distintiva especial.

É por isso que não existe, falando formalmente, nenhuma legislação religiosa cristã. A Imagem de Si mesmo que Deus nos deu em Jesus não foi aquela do Legislador, mas a da Vítima tanto dos legisladores civis quanto dos religiosos que se sacrifica. Dada esta autodefinição de Deus, nenhuma definição das pessoas derivada de fora de quem elas são, e que poderia classificá-las em puras e impuras, sagradas ou profanas, pode se manter de pé. Em vez disso, há somente o entendimento de que é começando exatamente de onde estamos, exatamente como somos, que somos convidados a nos tornar filhos e filhas de Deus, partícipes da cada de Deus. O que Deus chama de bom não é uma definição externa, que agrada alguns legisladores, mas aquilo que é bom para nós, que aquilo que é humano é amado e é realizado através do amor em participar na vida de Deus. Não é decepando pedaços de nós mesmos, psicológica ou fisicamente, que seremos salvos. Em vez disso, trata-se de nos descobrirmos e tornarmo-nos quem realmente devemos ser desde sempre, vindo a refletir a glória do nosso Criador. É isso, e não a versão um tanto reduzida de nós mesmos em que, de alguma forma, acabamos nos tornando e a partir da qual a morte e ressureição de Jesus nos lança em encontro à liberdade.

Cada vez se torna mais claro que aquilo que costumava parecer como uma autodescrição de nós era, na verdade, um engano. Mas esta tem sido exatamente a nossa experiência como católicos LGBTs ao longo dos últimos 30 anos ou mais. Fomos caracterizados como, de certa forma, defeituosos, patológicos ou pessoas corrompidas; fomos caracterizados como pessoas intrinsecamente heterossexuais que sofriam de uma forma bizarra e extrema de concupiscência heterossexual chamada “atração pelo mesmo sexo”. Tal descrição, que, na prática, nos rebaixou a cidadãos de segunda classe na casa de Deus, é simplesmente falsa. Acontece que temos a bênção de sermos os titulares de uma variante minoritária marcadamente não patológica dentro da condição humana. E que a nossa filiação a Deus veio a nós tal como somos, com esta variante sendo uma característica menor porém significativa de quem somos. Uma característica, além do mais, que dá uma forma graciosa de quem devemos ser. É claro que tal filiação faz desta característica algo mais, na medida em que superamos a concupiscência que é própria a todos nós como humanos, desenvolvendo e humanizando a nossa capacidade de amar de forma que nos tornemos, cada vez mais, plenos partícipes na vida de Deus.

E isso significa algo bastante importante: a única maneira que um ensinamento pode, realmente, ser católico é lembrando algo que realmente seja o caso a respeito dos seres humanos em questão. Portanto, no momento em que ficar claro que aquilo que costumava parecer como uma descrição acurada de quem somos, descrição que imaginava buscar o nosso bem, não é, na realidade, exato, mas um grande engano simplesmente, então neste exato instante vai se cessar a possibilidade de se afirmar que o ensinamento derivado de tal descrição é católico. Pois o ensinamento católico segue a descoberta daquilo que o Criador nos mostra ser verdadeiramente.

Noutras palavras, tal como no Livro de Atos, o Espírito Santo não espera pela permissão de Pedro antes de começar a produzir filhos e filhas de Deus. Muito pelo contrário. Na verdade, Pedro se vê aprendendo que aquilo que pensava ser verdadeiro sobre a santidade divina e a necessidade de respeitar o Livro de Levítico no intuito de celebrar tal santidadenão era o caso. Na medida em que ele passa por este aprendizado, a pureza do código se torna relativizada, chegando a ser interpretado como uma série de tabus não obrigatórios: formas de definir as pessoas a partir de aspectos externos em vez de dizer alguma coisa sobre quem elas são começando por si mesmas.

E é aqui exatamente onde nos encontramos: sem que seja o caso de que exista alguma coisa que Pedro e seus companheiros podem fazer para deter. Assim como o Criador deixou abundantemente claro para nós o qual é, de verdade, o caso, através do processo humano normal de aprendizado sobre a Criação, processo inspirado pelo Espírito por meio do qual entramos como partícipes na Sabedoria de Deus, também o ensinamento concernente a nós como sendo os titulares de uma desordem objetiva que nos inclina a atos intrinsecamente maléficos se revelou como um tabu e, portanto, não vindo de Deus – e, dessa forma, não é uma parte propriamente do ensinamento (ou doutrina) católico.

Catolicidade em vez de inclusão

O meu segundo ponto é tentar tirar algumas consequências disto que vimos até então. Pediram-me para falar a partir do título “Rumo à inclusão global de LGBTs dentro das comunidades católicas”, e, no entanto, a abordagem teológica que lhes ofereço não é, na verdade, sobre inclusão de LGBTs dentro de comunidades católicas mais do que a passagem de Atos 10 era sobre a inclusão dos gentios dentro das comunidades judaicas – um exercício meio vergonhoso no qual cidadãos de segunda classe pediram e receberam lugares humildes numa mesa de primeira classe. Não. Em vez disso, o que temos é a realização surpreendente de que, exatamente no grau em que se tornou claro que somos simplesmente os titulares de uma variante minoritária marcadamente não patológica dentro da condição humana, neste momento, enquanto nos vemos buscando o Senhor, somos considerados a ser os portadores da catolicidade em termos de igualdade com todos os demais. Esta catolicidade começa a ser definida não através dos nossos méritos, mas pelo elemento objetivo de humanidade que trazemos à mesa simplesmente estando presentes como tais.

Por isso é importante? Porque significa que não somos nós que estamos nos adaptando às regras da casa de outro alguém. Nesta casa, todos se encontram adaptando-se ao fato de que, juntos de Pedro, estamos aprendendo algo novo sobre o ser humano, e que toda a nossa compreensão sobre o bem e o mal, dentro e fora, vai mudar por causa disso. O processo é obviamente muito mais doloroso e difícil, ao menos inicialmente, àqueles que possuíam uma postura firme na promoção de uma forma de bem público na qual éramos participantes como exemplos necessários daquilo que considerado errado. E é também muito mais alegre para aqueles de nós que estão descobrindo que, afinal de contas, nós estamos dizendo a verdade. Não é o caso, como frequentemente nos dizem, de que estamos sendo simplesmente autoindulgentes, ou que o nosso amor é prejudicial aos outros, ou ainda que somos malucos por pensar que somos normais, que fomos levados pelo hedonismo e relativismo para dentro de desejos puramente subjetivos e irreais que fazem parte de alguma trapaça desumanizante.

Por favor, observem o que acontece enquanto esta obra do Espírito se torna clara, enquanto a nossa participação como portadores em conjunto do dizer católico da verdade se torna aparente. Antes de tudo, há raiva e ódio por parte daqueles que fizeram um forte investimento naquilo que parecia vir de Deus, mas que se viu ser apenas outro tabu idólatra que exigia sacrifícios. Estas pessoas precisam de ajuda e misericórdia, precisam de nossa magnanimidade em vez de nosso ressentimento. Acima de tudo, não deveríamos procurar provocá-los ou escandalizá-los, por mais tentador que isso possa ser. A seguir apresento algo bastante sutil a que, penso eu, devemos olhar com bastante cuidado. Isto de que falo não vem daqueles que são cheios de raiva, mas que daqueles que têm um amor pelos odres velhos. Estas pessoas desejam dizer algo do tipo: “Sim, percebemos que houve um problema na forma como a Igreja lidou com os gays no passado. E nenhum de nós quer continuar com isso. No entanto, a Igreja tem o direito, nas sociedades tolerantes e multiculturais, de não se permitir ser definida pelo que é, de fato, verdadeiro a respeito dos seres humanos. Em vez disso, insistimos no direito de mantermos vivos os nossos próprios modos piedosos de fazer as coisas sem interferência”.

Mas é aqui onde reside o problema: no momento em que as pessoas seguem este caminho elas estão recusando a catolicidade e criando uma Igreja a sua própria imagem. Porque elas estão transformando a Igreja Católica em um grupo definido por certas regras caseiras, que são independentes da realidade. Noutras palavras, estão criando uma forma de santidade que se defronta com os outros considerados impuros ou profanos. Trata-se de uma regressão ao judaísmo do Segundo Templo. No exato em instante que as pessoas agem assim, elas excluem automaticamente a si mesmas da catolicidade da Igreja, pois estão procurando transformá-la não na manifestação de Deus que anseia que todos os seres humanos se reconciliem com Ele através de Jesus, mas sim numa exteriorização de si próprias, que anseiam por um grupo com uma forte identidade grupal e com fronteiras cuidadosamente definidas que se preocupe quanto a quem está dentro e quem está fora.

Então, por favor, peço-lhes: não pensem, salvo em alguma desatenção, que tais pessoas definem o que significa catolicidade. A catolicidade é definida somente por Deus, quando nos coloca sob questionamento desfazendo todas as nossas barreiras construídas social e culturalmente, conduzindo-nos à verdade sobre sermos irmãos e irmãs de Jesus ao criar uma forma igualitária de sermos humanos juntos que não reivindicam nenhum tipo de comparação, uma forma que flui do Crucificado, que nos perdoa.

Outra variante sobre este assunto está associada àqueles que dizem: “Sim, há algo errado na forma como a Igreja tratou as pessoas LGBTs, mas não devemos ter pressa para mudar as coisas. Deixe a hierarquia organizar, de maneira adequada e pacífica, qualquer mudança que tenha de ser feita”. Isso significa dizer que aqueles que sequer vêm a público reconhecer que somos nós quem está dizendo a verdade – e que são eles que estiveram amarrando as nossas consciências com base num tabu – são os que insistem em organizar uma mudança rumo à veracidade a partir de seu próprio planejamento, programação. Estes devem ter muita sorte mesmo! Não é assim que o Espírito de Deus funciona, como o relato do Livro de Atos deixa claro. O Espírito conduz a todos nós à verdade, dando-nos pontapés, protestando, pondo-nos contra a parede e nos despenteando ao insistir que sejamos ousados em nosso falar, quando for conveniente e quando não for. E os que estão mais surpresos, chocados, sãos os que pensam que qualquer mudança deverá ser feita por eles em seus termos, de preferência sem ter que admitir que eles, também, precisam de perdão.

Não, a veracidade não espera pela conveniência dos que se dedicam à mentira antes de a espreitarem. Ela irrompe, como se estivesse no cativeiro, dando testemunho a Ele que a enviou para correr solta entre nós, e nos leva numa viagem vertiginosa e, finalmente, feliz. O Espírito traz, de fato, a paz que vem com a verdade, mas não por seguir a programação daqueles cujos medos iriam segurá-la, retê-la consigo. Pedro foi verdadeiramente petrino ao escutar o Espírito e reconhecer que esteve em erro sobre o que era preciso para a santidade. Foi agindo assim que ele se tornou o centro de uma unidade aparentemente problemática que, na verdade, era uma Rocha, enquanto que todas as forças de reação buscavam esbofeteá-lo. Não foi ele nem seus colegas quem definiu a agenda ou os prazos.

A preparação para a evangelização

O meu terceiro ponto é: O que isto diz sobre as nossas vidas em diferentes culturas? Uma das coisas que as pessoas dizem é: “Isso tudo sobre as pessoas LGBTs não é outra cosa senão um valor ocidental decadente e deveremos nos defender contra ele”. Mas as pessoas contra as quais estas estão se defendendo não são ocidentais decadentes, mas seus próprios irmãos e irmãs, ugandeses, nigerianos, iranianos, russos, sauditas, jamaicanos. Estes são os nossos irmãos e irmãs que descobriram algo verdadeiro sobre si mesmos e sobre a capacidade deles de amar; eles sabem que o que é verdadeiro faz sentido para eles. E eis o que é o mais notável: esta descoberta de algo que é verdadeiro está funcionando exatamente da mesma forma que o Evangelho disse que funcionaria e seguindo apenas a dinâmica do Espírito que cai vem nós a partir de Jesus. E, no entanto, de forma bizarra líderes cristãos de todas as denominações estão se reunindo com líderes de outras organizações religiosas, organizações que são só desconhecem o Espírito Santo, mas também que, nalguns casos, se colocam inflexivelmente contrários à existência e ao efeito estimulante de qualquer coisa parecida. Tais líderes preferem cercarem-se com todas as trapaças da “religião” em vez de espalhar a Boa Nova daquele que relativizou todas as formalidades religiosas no intuito de nos trazer para dentro de uma nova humanidade, começando a partir dos rejeitados e precarizados.

Porém, esta situação quer dizer que nós, católicos LGBTs, podemos entrar na vanguarda da evangelização sobre a qual o Papa Francisco nos falou, e podemos assim fazê-lo na qualidade de beneficiários satisfeitos e alegres desta nova humanidade. Nós, assim como todo mundo, sabemos como o Espírito de Deus nos humaniza, não destruindo a cultura e, sim, libertando-a de tudo o que é violento e destrutivo daquilo que os seres humanos são chamados a ser. Sabemos que, graças a Jesus, não há um tipo de alimento religiosamente puro ou impuro, não há formas de mutilação genital, ou algo que o valha, sob obrigação religiosa. Sabemos que somente a cultura, e nunca Deus, é quem vem exigindo o uso de véu e cobertura do rosto feminino. Sabemos que o mesmo Espírito que nos ensinou estas coisas, tornando disponível a nós o que é genuinamente verdadeiro, capacitou-nos a descobrir a banalidade enfeitada de nossa condição de variante minoritária, permitindo-a ser a configuração do nosso amor que nos faz testemunhas da bondade de Deus na medida em que estamos ao lado daqueles que se encontram, de fato, sofrendo terríveis injustiças e privações.

Isso não significa simplesmente que somos capazes de passar adiante informações a outras pessoas. Isso significa que somos portadores da catolicidade em nossa carne. Encontramo-nos preparados para ser os portadores do Evangelho precisamente por causa destas coisas extremamente católicas: temos sido parte do processo de correção autocrítica da cultura que é como o Espírito mantém a Igreja fiel e viva. Assim, em cada uma das culturas em que vivemos nos vemos, portanto, em posição privilegiada para ajudar a nossos irmãos e irmãs a desfazerem os tabus, a violência e as estruturas locais e particulares que se mascaram como sendo de Deus, mas que, na realidade, são obra de idólatras. Quem pensaria que seriam os católicos LGBTs os que testemunhariam o vigor do Evangelho, na forma como ele torna viva a criação, até mesmo o valor do direito natural, não como uma armadilha mas como uma aventura? Falem sobre a pedra que os construtores rejeitaram!

Santidade, fala e testemunho

Eis o último ponto que quero apresentar. Qual é a forma de santidade que vem sobre nós? O efeito mais devastador do tabu sob o qual temos trabalhado não é que ele proibiu certos atos sexuais. Esta proibição nunca chegou a conter muitos de nós. Nem mesmo, como acabou ficando bastante claro, conteve muitos daqueles que assumiram o ônus advindo de algum tipo de comprometimento formal de evitar tais atos. Não, o efeito devastador do tabu, tal como por qualquer contágio da idolatria, é que ele prejudica a imaginação, fazendo ser impossível imaginar o bem. Quando a nossa concupiscência foi falsamente definida como uma forma objetivamente disfuncional do desejo heterossexual, todos os nossos atos eram, evidentemente, tão maléficos quanto os outros, e não tínhamos motivação alguma para humanizá-los. “Não ter lanches entre as refeições” pode ser uma instrução útil se ensinar as pessoas a se prepararem para desfrutar melhor a próxima refeição. Mas “não ter lanches entre as refeições e, no caso de vocês, nem refeição também” é uma receita certa para fazer a farra durante os intervalos.

Mas hoje, graças a Deus, estamos começando a descobrir qual poderá ser a configuração da refeição, ou das refeições, em direção a qual poderá valer a pena orientar os nossos apetites. Então, por favor, como parte de nossa descoberta da configuração da santidade que está vindo sobre nós, agora que não mais somos cidadãos de segunda classe com uma desculpa vitimária de ressentimento pela nossa falta de dignidade, vamos permitir que as nossas imaginações sejam animadas pelo Espírito. Já estamos descobrindo algumas das formas nas quais podemos participar na doação de Cristo aos outros – casamento civil, adoção de filhos e, em alguns casos, celibato escolhido livremente. (Esta última era, evidentemente, impossível sob os ensinamentos do tabu – ensinaram-nos que não tínhamos outra opção senão a da vida celibatária e, portanto, esta opção não era, de fato, livre, dado que não se tratava de abandonar um bem por outro, mas sim evitar um mal, mal que era nosso dever solene evitar de qualquer jeito.) Sob quais outras formas vamos descobrir que fomos chamados a ser uma bênção para os outros?

Eis aqui uma pista: não vamos permitir que esta santa obra da imaginação enlevada seja ofuscada pelos que prefeririam debater sem abordar a questão de se somos, de fato, objetivamente disfuncionais ou não. No Novo Testamento, nenhum dos que insistiram que os gentios precisavam ser circuncisados a fim de poder serem salvos tinha algo genuíno a oferecer na discussão sobre as formas adequadas da santidade entre os gentios batizados. Da mesma forma, ninguém que seja incapaz de admitir a legitimidade, o potencial da pureza, do nosso amor que jorra a partir de quem somos tem condição de oferecer ajuda genuína para a resolução sobre os tipos de leis matrimoniais e adotivas apropriadas para nós, muito menos sobre quais seriam as formas apropriadas de liturgia.

Muitas autoridades religiosas em diferentes países tentam se esconder atrás da afirmação de que “ao defenderem o casamento” não estariam fazendo ou dizendo algo sobre ou contra os gays e lésbicas. Se estas autoridades estiverem sendo honestas aqui, deixem-lhes mostrar que a consciência deles não está delimitada por tabus. Deixem-lhes renunciar abertamente a noção de que os homossexuais que formam casais, sobre os quais eles afirmam não estar falando, estãoipso facto saciando uma disfunção objetiva, que são praticantes impenitentes de pecado grave e que, portanto, estariam procurando santificar algo que jamais pode ser aprovado. Uma vez que estas autoridades mostrarem que a consciência deles é livre, e que inexiste, portanto, em seu entendimento, nenhuma rivalidade entre a forma de florescer própria dos heterossexuais em casamento, e mostrarem quais poderiam ser as nossas formas de florescer, então, com certeza, elas – as autoridades – poderão ter algo verdadeira útil a nos oferecer. Porque eles serão legitimamente capazes de contemplar algo sobre como, em nosso caso assim como no deles, a graça aperfeiçoa a natureza. Algo, quer dizer, que flui a partir de quem somos, e não apesar de quem somos. No entanto, durante o tempo em que a lealdade destas estiver encorada no tabu, elas não poderão ser juízes do nosso florescer.

Não, são a veracidade e a paz, o entusiasmo pelo verdadeiro, que vêm com a consciência de ser filho ou filha: somente estes ousam dar luz à imaginação do bem árduo que vem sobre nós. Um bem árduo ao qual podemos aspirar com justiça, e na resolução do qual esperamos nos encontrar. A ousadia que jorra do fato de sermos capazes de falar verdadeiramente de uma consciência não confinada não é um acréscimo extrínseco para se ser cristão. É algo intrínseco sobre aquilo de que se trata ser cristão. Esta ousadia leva a ser capaz de dar testemunho, sem o que não há cristianismo. Para nós, animais linguísticos, ser capaz de falar clara e abertamente é essencial para termos condições de viver nas mesmas condições. É como falamos e partilhamos com os demais as experiências de amor que descobriremos, em nossos relacionamentos, a quem fomos chamados a ser.

E aqui estamos, reunidos na cidade de Pedro. Vamos pedir pelas orações de Paulo, o Apóstolo dos Gentios, que não temeu chamar a atenção de Pedro sobre a apostasia, e que nos ensinou isto: “Omnia munda mundis” – todas as coisas são puras para aqueles que são puros. São Paulo, o Apóstolo, rezai por nós.


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publicado por Riacho, em 31.07.14 às 14:22link do post | favorito

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Aconteceu no dia 26 de julho, no Rio de Janeiro, o I Encontro Nacional de Católicos LGBT, reunindo, além do Diversidade Católica do Rio de Janeiro, que promovemos o evento, grupos-irmãos que se reúnem nas cidades deSão Paulo (Grupo de Ação Pastoral da Diversidade), BrasíliaRecife/Olinda (Pastoral da Diversidade - Pernambuco),Belo HorizonteCuritiba (Diversidade Católica do Paraná - DCPR) e Ribeirão Preto (Diversidade Católica de Ribeirão Preto (SP) e Região - DCRP), além dos núcleos em formação em Itajaí (SC), Anápolis (GO) e Passos (MG). 

A informação foi publicada no sítio Diversidade Católica, 28-07-2014.

Os representantes desses grupos aproveitamos a oportunidade para trocar ideias a respeito das dificuldades com que nos deparamos e possibilidades de ação em nosso trabalho pelos LGBT em geral e, especialmente, na Igreja Católica Romana. Ao longo das próximas semanas, vamos compartilhar aqui algumas das reflexões nascidas desse diálogo.

Porém, de imediato já nasceram dois frutos do nosso encontro: a articulação da Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT, composta pelos grupos lá representados e aberta aos novos que virão; e a redação de nosso manifesto, em que apresentamos, em linhas gerais, os princípios que norteiam nossa ação e nossa contribuição para que a cidadania LGBT contagie a Igreja.

Convidamos tod@s a ler, refletir, compartilhar, divulgar e debater por aí.

E seguimos juntos em nossa caminhada, invocando a intercessão de Maria, o abraço protetor e amoroso do Pai, a companhia e amizade do Cristo e a luz inspiradora do Espírito Santo.

Equipe Diversidade Católica

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Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/533753-manifesto-de-grupos-catolicos-lgbt-do-brasil

 


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publicado por Riacho, em 07.07.12 às 19:22link do post | favorito
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publicado por Riacho, em 05.03.12 às 21:10link do post | favorito

Por solicitação da autora publicamos o pedido para colaborar nesta investigação.

 
Estou a realizar a minha dissertação de Mestrado em Psicologia Forense e Criminal no ISCSEM, sobre crimes de ódio contra pessoas LGBT's.

As respostas dadas pelos participantes são absolutamente anónimas.

Qualquer dúvida ou esclarecimento adicional poderá ser submetido para o seguinte endereço electrónico de contacto: crimesodio.lgbt@gmail.com 

Desde já agradecemos a sua disponibilidade para colaborar nesta investigação.

O questionário está disponível no seguinte link:

https://docs.google.com/spreadsheet/viewform?hl=en_US&formkey=dGQxMzA0cTdwOUJiU1dSTEV5WDdzeWc6MQ#gid=0


Obrigada pela colaboração
 
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publicado por Riacho, em 08.12.11 às 23:15link do post | favorito

Assiste à histórica declaração de Hillary Clinton na ONU traduzida pelo Lado A.

 

Hillary Rodham Clinton - Secretária de Estado
Palais des Nations - Genebra, Suíça
06 de dezembro de 2011


Boa noite. Deixe-me expressar a minha profunda honra e prazer em estar aqui. Quero agradecer ao diretor-geral Tokayev e Ms. Wyden, juntamente com outros ministros, embaixadores, excelências e parceiros das Nações Unidas. Neste fim de semana, vamos celebrar o Dia dos Direitos Humanos, o aniversário de uma das grandes realizações do último século. No início, em 1947, delegados dos seis continentes se dedicaram a elaborar uma declaração de que iria consagrar os direitos e liberdades fundamentais das pessoas em toda parte. No final da Segunda Guerra Mundial, muitas nações pressionaram por uma declaração deste tipo para ajudar a garantir impedir futuras atrocidades e proteger a humanidade e a dignidade inerentes a todas as pessoas. E assim os delegados foram ao trabalho. Eles discutiram, eles escreveram, revisaram, reviram, reescreveram, por milhares de horas. E todos eles incorporaram sugestões e revisões de governos, organizações e indivíduos de todo o mundo.


Às três horas da manhã de 10 dezembro de 1948, depois de quase dois anos de elaboração e uma última noite longa de debate, o presidente da Assembléia Geral da ONU pediu uma votação do texto final. Quarenta e oito nações votaram a favor, oito abstiveram-se, nenhum país discordou. E a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada. Ela proclama uma idéia simples e poderosa: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. E com a declaração, ficou claro que os direitos não são conferidos pelo governo, pois eles são direitos inatos a todas as pessoas. Não importa em que país vivemos, quem são nossos líderes, ou mesmo quem somos. Porque somos humanos, portanto, temos direitos. E porque nós temos direitos, governos são obrigados a protegê-los.


63 anos desde que a declaração foi adotada, muitas nações fizeram grandes progressos em fazer dos direitos humanos uma realidade humana. Passo a passo, as barreiras que impediam as pessoas de apreciar a medida plena da liberdade, a experiência completa de dignidade, e os benefícios da humanidade, se afastaram. Em muitos lugares, as leis racistas foram revogadas, práticas jurídicas e sociais em que as mulheres eram relegadas a status de segunda classe foram abolidas, a capacidade das minorias religiosas para praticar sua fé foi livremente assegurada.


Na maioria dos casos, este progresso não foi facilmente vencido. Pessoas lutaram e se organizaram em campanhas em praças públicas e espaços privados para mudar as leis, não só isso, mas corações e mentes. E graças a esse trabalho de gerações, para milhões de pessoas cujas vidas já foram estreitadas pela injustiça, eles agora são capazes de viver mais livremente e de participar mais plenamente na vida política, econômica e social de suas comunidades.


Agora, ainda há, como todos sabem, muito a ser feito para assegurar que o compromisso, que a realidade, e progresso para todas as pessoas. Hoje, eu quero falar sobre o trabalho que deixaram de fazer para proteger um grupo de pessoas cujos direitos humanos são ainda negados em muitas partes do mundo de hoje. Em muitos aspectos, eles são uma minoria invisível. Eles são presos, espancados, aterrorizados, e mesmo executados. Muitos são tratados com desprezo e violência por parte de seus concidadãos, enquanto autoridades competentes para protegê-los olham uns para os outros ou, muitas vezes, até mesmo juntam-se para cometer o abuso. À eles são negadas oportunidades de trabalhar e aprender, são expulsos de suas casas e países, e forçados a suprimir ou negar quem eles são, para se protegerem da violência.


Estou falando dos gays, lésbicas, bissexuais e transexuais. Os seres humanos nascem livres e dada igualdade e dignidade como direito, que têm o direito de exigir, o que é agora um dos restantes desafios dos direitos humanos do nosso tempo. Falo sobre este assunto, sabendo que gravar meu próprio país sobre direitos humanos para gays está longe de ser perfeito. Até 2003, era ainda um crime em algumas partes do nosso país. Muitos LGBT americanos têm sofrido violência e assédio em suas próprias vidas, e para alguns, incluindo muitos jovens, para quem o bullying e a exclusão são experiências diárias. Então, nós, assim como todas as nações, tem mais trabalho a fazer para proteger os direitos humanos em casa.


Agora, levantando esta questão, eu sei, é sensível para muitas pessoas e que os obstáculos no caminho de proteger os direitos humanos de LGBT pessoas estão profundamente arraigados em crenças pessoais, crenças, políticas, culturais e religiosas. Então eu venho aqui diante de vocês com respeito, compreensão e humildade. Apesar dos progressos nesta frente não serem fáceis, não podemos postergar uma ação. Então, nesse espírito, quero falar sobre as questões difíceis e importantes que devemos abordar juntos, para alcançar um consenso global que reconhece os direitos humanos dos cidadãos LGBT em todos os lugares.


A primeira edição vai ao coração da questão. Alguns sugeriram que os direitos dos homossexuais e os direitos humanos são separados e distintos, mas, na verdade, eles são a mesma coisa. Agora, é claro, há 60 anos, os governos que elaborou e aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos não estavam pensando em como se aplicaria à comunidade LGBT. Eles também não estavam pensando em como isso se aplicava aos povos indígenas ou filhos, ou pessoas com deficiência ou outros grupos marginalizados. No entanto, nos últimos 60 anos, temos vindo a reconhecer que os membros desses grupos têm o direito de a medida plena de dignidade e direitos, porque, como todas as pessoas, eles compartilham uma humanidade comum.


Este reconhecimento não ocorreu de uma só vez. Evoluiu ao longo do tempo. E como fez, entendemos que estávamos a honrar os direitos que as pessoas sempre tiveram, ao invés de criar novos direitos ou especial para eles. Como ser uma mulher, como ser uma minoria racial, religiosa, tribal ou étnica, ser LGBT não te faz menos humano. E é por isso que os direitos dos homossexuais são direitos humanos e os direitos humanos são direitos dos homossexuais.


É violação dos direitos humanos quando as pessoas são espancadas ou mortas por causa da sua orientação sexual, ou porque não estão em conformidade com as normas culturais sobre como homens e mulheres devem olhar ou se comportar. É uma violação dos direitos humanos quando os governos declarar ilegal ser gay, ou permitir que aqueles que prejudicam as pessoas gays fiquem impunes. É uma violação dos direitos humanos quando as mulheres lésbicas ou transexuais são submetidas aos chamados estupro corretivo, ou à força são submetidas a tratamentos hormonais. Ou quando pessoas são assassinadas após as chamadas públicas para a violência contra gays, ou quando eles são forçados a fugirem de suas nações e buscar asilo em outros países para salvarem suas vidas. E é uma violação dos direitos humanos quando o acesso ao serviço de proteção à vida é negado porque essas pessoas são gays, ou igualmente é negado o acesso à Justiça por que são gays, ou espaços públicos estão fora dos limites de pessoas porque elas são gays. Não importa nossa aparência, de onde viemos ou quem somos, somos todos iguais e possuidores dos nossos direitos humanos e dignidade.


A segunda questão é sobre saber se a homossexualidade é oriunda de uma determinada parte do mundo. Alguns parecem acreditar que é um fenômeno ocidental e, portanto, pessoas de fora do Ocidente têm motivos para rejeitá-la. Bem, na realidade, os gays nascem e pertencem a todas as sociedades do mundo. Elas são todas as idades, todas as raças, todas as crenças, eles são médicos e professores, agricultores e banqueiros, soldados e atletas, e se nós o conhecemos, ou se nós os reconhecemos, eles são a nossa família, nossos amigos e nossos vizinhos.


Ser gay não é uma invenção ocidental, é uma realidade humana. E proteger os direitos humanos de todas as pessoas, gay ou héteros, não é algo que só os governos ocidentais fazem. A Constituição da África do Sul, escrito no rescaldo do Apartheid, protege a igualdade de todos os cidadãos, incluindo os homossexuais.Na Colômbia e Argentina, os direitos dos gays também estão legalmente protegidas. No Nepal, a Suprema Corte decidiu que a igualdade de direitos se aplicam aos cidadãos LGBT. O governo da Mongólia se comprometeu a buscar uma nova legislação que irá abordar a discriminação anti-gay.


Agora, alguns temem que a proteção dos direitos humanos da comunidade LGBT é um luxo que só os países ricos podem pagar. Mas, na verdade, em todos os países, há custos em não proteger esses direitos. Nas vidas gay e heterossexual perdidas para a doença e a violência, no silêncio das vozes e pontos de vista que fortaleceriam as comunidades, nas idéias nunca perseguidas por empreendedores que são gays. Custos são incorridos sempre que qualquer grupo é tratado como menor ou inferior, sejam mulheres, minorias raciais ou religiosas, ou LGBT. Mogae, ex-presidente do Botswana, assinalou recentemente que enquanto as pessoas LGBT forem mantidas nas sombras, não poderá haver um programa de saúde pública eficaz de combate ao HIV e à AIDS. Bem, isso vale para outros desafios também.


A terceira, e talvez a mais problemática, surge desafiando quando as pessoas citam valores religiosos ou culturais como uma razão para violar ou não para proteger os direitos humanos de cidadãos LGBT. Este não é diferente da justificativa oferecida para práticas violentas contra as mulheres como crimes de honra, queimando viúvas, ou a mutilação genital feminina. Algumas pessoas ainda defendem essas práticas como parte de uma tradição cultural. Mas a violência contra as mulheres não é cultural, é criminal. Da mesma forma com a escravidão, que foi uma vez justificada como sancionada por Deus é agora devidamente insultada como uma violação inadmissível aos direitos humanos.


Em cada um destes casos, chegamos ao ponto de saber que nenhuma prática ou tradição supera o dos direitos humanos que pertencem a todos nós. E isso vale para infligir a violência sobre as pessoas LGBT, criminalizando o seu estado ou comportamento, expulsando-os de suas famílias e comunidades, ou tácita ou explicitamente aceitar a sua morte.


Claro, vale a pena observar que raramente as tradições culturais e religiosas e ensinamentos estão realmente em conflito com a proteção dos direitos humanos. De fato, nossa religião e nossa cultura são fontes de inspiração e compaixão para com nossos companheiros seres humanos. Não foi apenas aqueles que já justificaram a escravidão, que se inclinaram sobre a religião, mas também aqueles que buscaram aboli-la. E deixe-nos ter em mente que os nossos compromissos para proteger a liberdade de religião e de defender a dignidade de pessoas LGBT emanam de uma fonte comum. Para muitos de nós, a crença e a prática religiosa é uma fonte vital de significado e identidade, e fundamental para quem nós somos como povo. E da mesma forma, para a maioria de nós, os laços de amor e familiares que forjamos também são fontes vitais de significado e identidade. E cuidar dos outros é uma expressão do que significa ser plenamente humano. É porque a experiência humana é universal que os direitos humanos são universais e transversais a todas as religiões e culturas.


A quarta questão é que a história nos ensina sobre como devemos progredir no sentido de direitos para todos. O progresso começa com a discussão honesta. Agora, há alguns que dizem e acreditam que todos os gays são pedófilos, que a homossexualidade é uma doença que pode ser transmitida ou curada, ou gays recruta, outros para se tornarem gays. Bem, estas noções simplesmente não são verdades. Essas pessoas também são susceptíveis de desaparecerem se aqueles que promovem ou os aceitam preferirem deixá-los na mão e chamá-los a dividir seus medos e preocupações. Ninguém nunca deixou de acreditar em algo por ter sido forçado a tanto.
 
A universalidade dos direitos humanos inclui a liberdade de expressão e a liberdade de crença, mesmo que nossas palavras ou crenças atinjam a humanidade dos outros. No entanto, enquanto cada um é livre para acreditar no que nós escolhemos, não podemos fazer o que nós escolhemos, não em um mundo onde nós protegemos os direitos humanos de todos.


Alcançar o entendimento dessas questões necessita mais do que o discurso. Precisa de uma conversa. Na verdade, é preciso uma constelação de conversas em lugares grandes e pequenos. E é preciso ver uma vontade de mudar as crenças e diferenças como uma razão para começar a conversa, e não para evitá-la.


Mas o progresso vem de mudanças nas leis. Em muitos locais, incluindo o meu próprio país, a proteção legal ter precedido, não seguido, mais amplo reconhecimento dos direitos. Leis têm um efeito de ensino. Leis que discriminam e validam outros tipos de discriminação. Leis que exigem proteções iguais reforçam o imperativo moral da igualdade. E falando praticamente, são frequentes os casos em que as leis devem mudar antes que os temores da mudança se dissipem.


Muitos no meu país pensavam que o presidente Truman estava fazendo um grave erro quando ordenou a dessegregação racial dos nossos militares. Eles argumentaram que isso poderia prejudicar a coesão da unidade. E não foi, até que ele foi em frente e fez isso, até que nós vimos como isso fortaleceu nosso tecido social de uma forma até mesmo os defensores da política não poderiam prever. Da mesma forma, alguns preocupados quando meu país fez que a revogação do "Não Pergunte, Não Diga" disseram que teria um efeito negativo sobre nossas forças armadas. Agora, o comandante dos Fuzileiros Navais, que foi uma das mais fortes vozes contra a revogação, diz que suas preocupações eram infundadas e que os mariners tem abraçado a mudança.


Finalmente, o progresso vem disposto a caminhar uma milha nos sapatos de outra pessoa. Precisamos nos perguntar: "Como eu me se sentiria se fosse um crime de amar a pessoa que eu amo? Como seria a sensação de ser discriminado por algo sobre mim que eu não posso mudar? "Este desafio se aplica a todos nós, pois reflete sobre crenças mais profundas, à medida que trabalhamos para abraçar a tolerância e o respeito pela dignidade de todas as pessoas, e como humildemente nos envolvemos com aqueles de quem discordamos, na esperança de criar em uma maior compreensão.


A quinta e ultima questão é a forma como fazemos a nossa parte para trazer o mundo para abraçar os direitos humanos para todas as pessoas, incluindo pessoas LGBT. Sim, as pessoas LGBT devem ajudar a conduzir esse esforço, como tantos de vocês estão. Seus conhecimentos e experiências são inestimáveis e sua coragem inspiradora. Sabemos os nomes dos valentes ativistas LGBT que têm, literalmente, deram suas vidas por esta causa, e há muitos mais cujos nomes nunca saberemos. Mas muitas vezes aqueles a quem são negados os direitos possuem menos poderes para trazer as mudanças que buscam. Agindo sozinho, as minorias nunca pode alcançar as maiorias necessárias para a mudança política.


Assim, quando qualquer parte da humanidade é posta de lado, o resto de nós não pode ficar à margem. Toda vez que uma barreira ao progresso caiu, tomou um esforço cooperativo daqueles em ambos os lados da barreira. Na luta pelos direitos das mulheres, o apoio dos homens continua a ser crucial. A luta pela igualdade racial tem contado com contribuições de pessoas de todas as raças. Combater a islamofobia e o anti-semitismo é uma tarefa para pessoas de todas as fés. E o mesmo é verdade com esta luta pela igualdade.


Por outro lado, quando vemos negações e violações dos direitos humanos e deixar de agir, isso envia a mensagem para os negadores e abusadores que eles não vão sofrer quaisquer consequências por seus atos, e assim continuam. Mas quando nós agimos, enviamos uma mensagem poderosa moral. Aqui em Genebra, a comunidade internacional agiu este ano para reforçar um consenso global em torno dos direitos humanos das pessoas LGBT. No Conselho de Direitos Humanos em Março, 85 países de todas as regiões, apoiaram uma declaração pedindo o fim da criminalização e violência contra pessoas por causa de sua orientação sexual e identidade de gênero.


Na sessão seguinte do Conselho, em junho, na África do Sul assumiu a liderança em uma resolução sobre a violência contra as pessoas LGBT. A delegação da África do Sul falou eloquentemente sobre sua própria experiência e luta pela igualdade humana e sua indivisibilidade. Quando a medida foi aprovada, tornou-se a primeira resolução da ONU que reconhece os direitos humanos das pessoas em todo o mundo gay. Na Organização dos Estados Americanos deste ano, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos criou uma unidade sobre os direitos das pessoas LGBT, um passo em direção ao que esperamos que venha a ser a criação de um relator especial.


Agora, temos de ir mais longe e trabalhar aqui e em todas as regiões do mundo para cavar um maior apoio aos direitos humanos da comunidade LGBT. Para os líderes dos países onde as pessoas são presas, espancadas, ou executadas por ser gay, eu peço que você considere isto: Liderança, por definição, significa estar na frente do teu povo, quando ele é chamado para tal. Isso significa defender a dignidade de todos os seus cidadãos e persuadir seu povo a fazer o mesmo. Significa, também, garantir que todos os cidadãos são tratados como iguais em suas leis, porque deixe-me ser clara - não estou dizendo que os gays não podem ou não cometem crimes. Eles podem e fazem, assim como os heterossexuais. E quando o fazem, eles devem ser responsabilizados, mas nunca deve ser um crime ser gay.


E para pessoas de todas as nações, eu digo que o apoio aos direitos humanos é de sua responsabilidade também. As vidas de pessoas gays são moldadas não apenas por leis, mas pelo tratamento que recebem todos os dias das suas famílias, de seus vizinhos. Eleanor Roosevelt, que tanto fez para promover os direitos humanos a nível mundial, disse que esses direitos começam nos lugares pequenos perto de casa - as ruas onde as pessoas vivem, as escolas que frequentam, as fábricas, fazendas e escritórios onde trabalham. Esses lugares são o seu domínio. As ações que você tomar, os ideais que você defende, podem determinar se os direitos humanos florescerão onde você está.


E, finalmente, para os homens e mulheres LGBT em todo o mundo, deixe-me dizer isto: Seja onde você mora e quaisquer que sejam as circunstâncias de sua vida, se você está conectado a uma rede de apoio ou se sentem isolados e vulneráveis, saiba que você não está sozinho. Pessoas em todo o mundo estão trabalhando duro para apoiá-lo e acabar com as injustiças e perigos que enfrentam. Isso é certamente verdade para o meu país. E você tem um aliado dos Estados Unidos da América e você tem milhões de amigos entre o povo americano.


A administração Obama defende os direitos humanos das pessoas LGBT como parte de nossa política de direitos humanos e abrangente como uma prioridade da nossa política externa. Em nossas embaixadas, nossos diplomatas estão levantando preocupações sobre casos específicos e leis, e trabalhar com uma gama de parceiros para fortalecer a proteção dos direitos humanos para todos. Em Washington, criamos uma força-tarefa do Departamento de Estado para apoiar e coordenar este trabalho. E nos próximos meses, iremos fornecer a cada embaixada com um kit de ferramentas para ajudar a melhorar os seus esforços. E criamos um programa que oferece apoio emergencial aos defensores dos direitos humanos das pessoas LGBT.


Esta manhã, de volta a Washington, o presidente Barack Obama colocou em prática a estratégia do Governo primeira EUA dedicada à luta contra os abusos dos direitos humanos contra pessoas LGBT no exterior. Apartir dos esforços já em curso no Departamento de Estado e de todo o governo, o presidente dirigiu todas as agências do Governo dos EUA envolvidos no estrangeiro para combaterem a criminalização dos LGBT status e conduta, para reforçar os esforços para proteger os refugiados vulneráveis LGBT e requerentes de asilo, para garantir que nossa ajuda externa promova a proteção dos direitos LGBT, para alistar organizações internacionais na luta contra a discriminação, e para responder rapidamente aos abusos contra as pessoas LGBT.


Tenho também o prazer de anunciar que estamos lançando um novo Fundo para Igualdade Global que vai apoiar o trabalho das organizações da sociedade civil que trabalham sobre estas questões em todo o mundo. Este fundo irá ajudá-los a registrar fatos para que possam direcionar seus esforços, aprender a usar a lei como uma ferramenta, gerir os seus orçamentos, treinar seus funcionários, e estabelecer parcerias com organizações de mulheres e outros grupos de direitos humanos. Nós nos comprometemos com mais de US $ 3 milhões para iniciar este fundo, e temos esperança de que outros se juntem a nós no apoio a ele.


As mulheres e os homens que defendem os direitos humanos para a comunidade LGBT em lugares hostis, alguns dos quais estão aqui hoje conosco, são corajosos e dedicados, e merecem toda a ajuda que podemos dar a eles. Sabemos que a estrada adiante não será fácil. Um grande volume de trabalho está diante de nós. Mas muitos de nós já vimos em primeira mão como mudar rapidamente pode vir. Em nossas vidas, as atitudes em relação às pessoas homossexuais em muitos lugares foram transformadas. Muitas pessoas, inclusive eu, têm experimentado um aprofundamento de nossas próprias convicções sobre o tema ao longo dos anos, como se têm dedicado mais atenção a ele, envolvido em diálogos e debates, e se estabeleceu relações pessoais e profissionais com pessoas que são gays.


Esta evolução é evidente em muitos lugares. Para destacar um exemplo, a Alta Corte de Deli descriminalizou a homossexualidade na Índia há dois anos, a escrita, eu cito, "Se há um princípio que pode ser dito ser um tema subjacente da Constituição indiana, é inclusão." Não há pouca dúvida em minha mente que o apoio aos direitos humanos LGBT continuará a subir. Porque para muitos jovens, isso é simples: Todas as pessoas merecem ser tratadas com dignidade e têm seus direitos humanos respeitados, não importa quem são ou quem elas amam.


Há uma frase que as pessoas nos Estados Unidos invocam quando pedem a outros a apoiarem os direitos humanos: " Esteja no lado certo da história" A história dos Estados Unidos é a história de uma nação que tem repetidamente confrontado com a intolerância e a desigualdade. Nós lutamos uma guerra civil brutal sobre a escravidão. Pessoas de costa a costa se juntaram em campanhas para reconhecerem os direitos das mulheres, povos indígenas, minorias raciais, crianças, pessoas com deficiência, imigrantes, trabalhadores, e assim por diante. E a marcha em direção à igualdade e justiça continua. Aqueles que defendem a expansão do círculo de direitos humanos estavam e estão do lado certo da história, e a história honra a eles. Aqueles que tentaram sufocar os direitos humanos estavam errados, e da história reflete isso também.


Eu sei que os pensamentos que eu tenho compartilhado hoje envolvem questões sobre as quais as opiniões ainda estão evoluindo. Como tem acontecido tantas vezes antes, a opinião irão convergir, mais uma vez, com a verdade, a verdade imutável, que todas as pessoas são criados livres e iguais em dignidade e direitos. Nós somos chamados mais uma vez para tornar reais as palavras da Declaração Universal. Vamos responder a essa chamada. Vamos estar no lado certo da história, para o nosso povo, nossas nações, e as gerações futuras, cuja vida será moldada pelo trabalho que fazemos hoje. Estou diante de vocês com grande esperança e confiança de que não importa quanto tempo a estrada à frente levará, nós vamos percorrê-la com sucesso, juntos. Muito obrigado.

 

Fonte: http://www.revistaladoa.com.br/website/artigo.asp?cod=1592&idi=1&moe=84&id=18814

 

 


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publicado por Riacho, em 22.10.11 às 11:45link do post | favorito

A Feira do Livro LGBT 2011 vai decorrer entre 22 e 30 de Outubro, no Centro LGBT (Lisboa), numa organização do Centro de Documentação da Associação ILGA Portugal. Na edição deste ano, além dos livros, há espaço para debates, sessões de autógrafos, sessões de cinema, concertos e workshops. Escritores como Ana Zanatti, João Tordo, João Firmino e Marisa Medeiros vão marcar presença. Fica a par do programa completo.

 


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