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publicado por Riacho, em 17.03.09 às 19:45link do post | favorito

 

17/3/2009
 
Jeffrey Weeks. Sexualidade, militância e direitos humanos
 

Agora que está na boca de todos a luta homossexual de Harvey Milk (1930-1978) levada ao cinema [trata-se do filme Milk – a voz da igualdade], paramos para falar com Jeffrey Weeks, intelectual britânico, eminência em história e cultura da sexualidade.

Tem o aspecto discreto de quem quer passar despercebido. Bem vestido, blusão azul, gravata clássica, óculos de professor universitário e um falar extremamente correto interrompido por contidas risadas. Parece um empregado de banco ou um funcionário que perambula despistado pelos corredores do Caixaforum. Mas Jeffrey Weeks é, possivelmente, uma das pessoas mais ousadas do panorama britânico dos últimos 40 anos.

Nascido em Gales há 63 anos, viveu sua infância e adolescência num ambiente mineiro de homens duros e conservadores em que logo descobriu que sua sexualidade “era diferente”. Assim que, logo depois decidiu que devia fugir para Londres, onde poderia estudar e viver em liberdade. No começo dos anos 1970 começou a militar na Frente de Libertação Gay, e decidiu confessar publicamente a sua homossexualidade, algo pouco convencional naquela época. A partir de então essa militância e a divulgação da organização da sexualidade na história e na vida íntima das pessoas foram os motores inseparáveis da vida deste sociólogo e historiador, catedrático emérito da London South Bank University. Há muitos anos está escarafunchando nos segredos da paisagem sexual e suas incessantes modificações sociais e culturais. Viveu uma autêntica revolução, desde uma infância onde nem sequer podia falar de sexo até poder dizer bem alto que tem uma relação de fato com outro homem.

Jeffrey Weeks é membro de diversas Academias e Comitês Universitários, e publicou inúmeros artigos e mais de dez livros sobre a influência da história e da cultura na sexualidade.

Weeks esteve em Madri numa das frias tardes de janeiro para falar justamente de sexualidade e gênero num ciclo organizado pelo Caixaforum.

A entrevista é de Malén Aznárez e publicada no jornal espanhol El País, 22-02-2009. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Como viveu tanta mudança social?

Os vales do sul de Gales, onde nasci, eram a zona de carvão mais famosa do mundo e tinham uma cultura que girava em torno desse mineral: intensa solidariedade entre os mineiros e divisão estrita entre homens e mulheres. Era uma sociedade quente, comunitária, de apoio, mas muito conservadora do ponto de vista social, conservadora em relação às questões de gênero e sexualidade. Era muito difícil conceber um tipo de vida diferente, era um mundo em si mesmo, e os principais meios de escape chegavam pela educação. Eu fui um jovem esperto, fui à melhor escola da região, e com 18 anos pude ir à Universidade.

Dessa maneira escapou daquele mundo fechado. Os da sua casa eram mineiros também?

O ambiente era mineiro. Os pais de minha mãe tinham sido mineiros, mas meu pai trabalhou numa fábrica toda a sua vida. Minha mãe cuidava de nós, mas também tinha trabalhos de meia jornada em comércios. Era uma família clássica da classe trabalhadora. Tenho um irmão dois anos menor que eu, e aos 18 anos tive outro irmão. Minha mãe continua morando no mesmo lugar de Gales, e meus irmãos também. Eu fui para Londres como estudante e ali fiquei. Escapei de algum modo, sim... Mas continuo tendo profundas relações com a minha família. Ir a Londres me permitiu explorar a minha sexualidade, mesmo que durante muitos anos não contasse para a minha família que eu era homossexual. Ou seja, vivi duas vidas, a galesa, onde era o filho, o filho inteligente, e depois vinha a vida londrinense, onde vivia minha homossexualidade de um modo aberto estabelecendo amizades e relações.

Como viveu seu despertar homossexual nos anos 1950 e num ambiente como aquele que descreve?

Sabia que era homossexual desde os 16 anos, e tive algum encontro sexual com companheiros de colégio, mas minha vida gay iniciou em Londres. Mesmo assim, nos primeiros anos de Londres, nos anos 1960, seguia sendo uma vida semi-secreta; alguns de meus amigos sabiam que eu era gay, mas em geral vivi dentro do armário essa parte da minha vida.

Suponho que se necessitava de muita coragem para sair então do armário e que pouquíssimas pessoas o faziam.

O ponto de inflexão se deu com a minha participação, em novembro de 1970, no Movimento de Libertação Gay. A razão pela qual participei desse movimento foi que as primeiras reuniões aconteceram na London School Academy, onde eu trabalhava e que foi, inclusive, o meu primeiro emprego. Assim que foi um passo fácil. Ia do trabalho diretamente às reuniões... Evidentemente, foi uma revolução em nossas atitudes, em minha atitude frente à sexualidade e à política, mas também na minha vida pessoal. Numa das primeiras reuniões, conheci Angus Suttie, minha primeira relação duradoura, que mais adiante se converteu num ceramista muito famoso. A ideologia do Movimento de Libertação Gay era ser aberto, assim que eu me aproximei dos meus colegas de trabalho e lhes expliquei, e depois, pouco tempo depois, fiz o mesmo com meus pais.

E como reagiram?

Primeiro, contei-o ao meu pai porque pensei que seria o mais difícil. Me respondeu que não gostava do fato de ser gay, mas que gostava de mim e o aceitava na condição de não fazer muito escândalo em Gales... Minha mãe disse algo parecido. E o interessante é que ambos o tinham suspeitado, mas nunca tinham falado entre si sobre o assunto.

Costuma ser algo bastante habitual, o que não se fala não existe...

Sim, sim, é bastante comum. Apesar de que tinham muito boa relação e falassem muito entre si, não o fizeram. E depois comecei a escrever sobre sexualidade, sobre homossexualidade, e me tornei conhecido. No final dos anos 1970, as pessoas me conheciam pelos meus escritos, e minha mãe e o resto da minha família, porque meu pai já havia morrido, se sentiram muito orgulhosos pelo fato de ser um escritor de sucesso, ainda que se sentissem, por vezes, em apuros.

Ser famoso ou reconhecido sempre facilita as coisas, não?

Os anos 1980 foram um período difícil por causa da aids, assim que havia certa ambivalência: por um lado, orgulho; por outro, vergonha. Mas o importante foi que nunca me rechaçaram e sempre me senti apoiado. Creio que tenho uma família que me ama; não eram muito religiosos, nem políticos, o espírito era de apoio, e houvesse o que quer que seja apoiavam o seu filho. E continua sendo assim até hoje. Agora que tenho uma união de fato com Mark McNestry, minha mãe fala de nós como se estivéssemos casados; ela gosta de Mark. E minha família nos aceitou como casal. As coisas mudaram muito nos últimos 20 anos.

Quando fiz 60 anos, fiz uma festa e reuni pela primeira vez as duas famílias em Londres, a de Mark e a minha. Foi uma afirmação importante da minha relação e da aceitação por parte das duas famílias. A família de Mark é católica e, no princípio, quando ele saiu do armário, sofreram muito. Mas como gostam dele, acabaram aceitando, e a mim; como parte de pleno direito da família, sou um membro a mais e isso é importante. Mas foi uma grande luta de 40 anos.

Na Espanha travou-se uma forte luta pelo reconhecimento legal das uniões homossexuais; a Igreja católica e a direita conservadora se opuseram duramente. Você tem uma união estável de fato. Dá alguma importância a essa diferença de linguagem?

No Reino Unido, ser casal de fato é como ser um casal, simplesmente é uma forma de chamá-lo. Não se chama casamento por pragmatismo político. Creio que em algum momento se chamará também casamento, mas dessa maneira era mais fácil que passasse no Parlamento, é o que chamo de liberalismo um pouco soterrado...

Mas na Espanha, onde são muito mais religiosos, a luta também se dá na linguagem, chamá-lo de casamento é importante porque se converte no centro de uma luta simbólica. Eu o vejo como uma busca de legitimidade e aceitação. Na primeira fase do movimento homossexual tratava-se de explorar a nossa sexualidade, do reconhecimento de nossos direitos sexuais e sua legitimação. No momento em que isso já está aceito, a segunda fase, na qual nos encontramos agora, é conseguir a aceitação e a afirmação de todas as relações. E creio que foi por isso que a luta pelo reconhecimento de fato, pelo casamento, foi tão central. É o que chamo de marco relacional em vez de marco sexual, passamos dos direitos sexuais aos direitos relacionais.

Você se considera um novo guru da sexualidade? No último século houve muitos, Freud, Reich, Foucault, para citar apenas alguns, que influíram em nossas vidas.

Essa comparação me dá vergonha... Freud, por exemplo, fazia parte de um grupo de sexólogos que também influenciaram, e frequentemente nos esquecem e só nos lembramos de um nome. Eu me vejo como fazendo parte de um processo mais democrático no debate sobre a homossexualidade, como parte de um movimento mais amplo, intelectual e político, para ajudar a progredir. Não me vejo como um grande guru. Mas é bom e bajulador que as pessoas leiam os meus livros ou que me entrevistem, porque deste modo espero ajudar a divulgar as ideias que represento ou defendo.

Você disse que na construção da sexualidade e de gênero, a natureza tem pouco a ver. É bastante surpreendente...

Digo isso para criar polêmica, para nos forçar a pensar sobre a importância da história, da sociedade e da cultura na hora de configurar as nossas crenças e valores sexuais. Evidentemente, creio na importância do corpo e suas possibilidades biológicas para o prazer e a dor, e reconheço que há diferenças biológicas e físicas entre os homens e as mulheres que abrem possibilidades distintas. E também creio, influenciado por Freud e a psicologia, que há sentimentos inconscientes. Assim que penso que a sexualidade é a fonte de três grandes forças: possibilidades biológicas, processos psicológicos e, em terceiro lugar, a parte que foi esquecida ou menosprezada, a parte da história, da sociedade e da cultura.

Parece que chegou seu momento, o da história e da cultura.

No passado, os aspectos culturais foram com frequência marginalizados ou esquecidos, e eu, como sociólogo, trabalhei durante muitos anos para destacar a importância da história. Se estás interessado em temas de identidade, precisas reconhecer o poder e a importância do social, do cultural, porque as identidades não existem na natureza. As possibilidades sim, biológicas e psicológicas.

Para você, as identidades sexuais são sempre sociais?

Sim, sempre. Quando falamos de identidades nacionais não falamos de possibilidades biológicas, falamos do modo como, através da história, surgiram identidades que não estão necessariamente relacionadas nem com a genética nem com a biologia, e vemos que as identidades mudam, se fazem na história. O mesmo acontece com a identidade sexual. Por exemplo, há muitas pessoas que têm práticas homossexuais e não têm uma identidade gay, e há pessoas com identidade gay que não necessariamente têm sexo gay. Não há uma relação necessária entre uma e outra coisa, e isto é porque as identidades se configuram na história.

Mas geralmente se seguem identificando as identidades de gênero com as sexuais...

A maioria das pessoas acha mais fácil dizer: nasci assim e o modo como atuo está ditado por minha biologia. Creio que existem perigos nessa atitude. Por exemplo, historicamente os violentadores justificaram seu comportamento baseando-se em urgências sexuais incontroláveis, mas eu não creio nisso. Penso que a violação é o resultado de fatores sociais, porque nem todos os homens são violentadores. E é óbvio que alguns homens têm um problema sexual que deriva de sua infância, de sua interação com os outros, que configurou sua atitude diante das mulheres e que fez com que odiassem as mulheres. Mas isso não é inerente a todos os homens, não é um tema biológico. É importante ver o porquê de nosso comportamento sexual no gênero e ver como vai mudando com o tempo.

Por exemplo?

Vou dar um exemplo de minha própria família. Meu irmão mais próximo por idade se casou, teve filhos, e nunca fez nada para educá-los. Isso era coisa da mulher, que se ocupava de criar e educar os filhos. E era assim que se comportavam os homens nos anos 1970 e 1980. Ao contrário, meu irmão mais novo se ocupou muito com a educação de seus filhos desde que eram muito pequenos, banhava-os, colocava-os para dormir, compartilhava totalmente as tarefas de ser pai. E agora meu irmão maior, que tem duas netas, se comporta com elas como meu irmão menor: leva-as para a escola, as faz dormir, leva-as para as férias; mudou porque a cultura mudou. E é terno com suas netas, muito mais do que foi com suas próprias filhas.

É evidente que a cultura mudou os papéis tradicionais do masculino e do feminino, mas quanto à sexualidade, muita gente continua a se fazer a clássica pergunta: é uma opção ou é determinada pela biologia?

É uma discussão que já leva mais de cem anos... Eu faço uma diferenciação. Os desejos, os sentimentos, as pulsões, podem ou não ser determinados pelos genes ou pelas distintas influências, as provas científicas não são conclusivas neste campo. O que está claro é que a escolha de querer levar um estilo de vida homossexual ou não é uma escolha social. Ou seja, é preciso fazer uma distinção entre as possibilidades, que são biológicas, e as identidades que escolhemos.

O corpo se converteu num fetiche, moda, publicidade, saúde, esporte... Essa potencialidade do corpo, do erotismo e da sexualidade, se traduz em mudanças reais na sexualidade ou é puro invólucro consumista?

Creio que houve uma mudança profunda sobre onde reside a autoridade na sexualidade. No passado, a maioria da população aceitava uma autoridade tradicional sobre como deveria viver ou comportar-se. E vimos nos arquivos da Igreja, que reconhecia que as pessoas faziam coisas não permitidas, mas a sociedade era dominada por valores tradicionais. Hoje, tudo mudou, porque a maioria das fontes de autoridade tradicional, tanto na Igreja, no Estado ou outros tipos de autoridade como a médica, foram questionados. Houve um longo processo de democratização e secularização, e na maioria dos países ocidentais já não vivemos em sociedades religiosas; a religião ainda é poderosa, mas a maioria das pessoas tem valores seculares. Podemos separar muito mais as nossas crenças religiosas de nosso comportamento individual. Por quê? A razão fundamental, e é uma grande mudança social, é porque em vez de uma fonte de autoridade, agora temos milhares em nossas vidas individuais.

Em geral, a sociedade, ao menos a espanhola, parece que evoluiu muito rapidamente neste aspecto.

Muitas pessoas se confundem um pouco e buscam normas mais estritas, mas muitas outras encontram a possibilidade de desenvolver uma vida mais criativa, cometem erros e as relações se rompem e começam novas, e seguem e seguem inventando. Essencialmente, creio que as pessoas são profundamente morais, mas a maioria já não aceita que a moralidade seja ditada por uma autoridade, mas que vive tomando suas próprias decisões morais. O que vemos é a emergência do que chamo de moralidade de base, ou melhor, moralidades de base, no plural.

Fala de diversidade sexual e moral, mas isso é algo que apavora muita gente, e também os poderes...

A Igreja e o Estado sempre reconheceram a diversidade sexual. A Igreja sempre mostrou uma lista das coisas que eram legítimas e ilegítimas, e o Estado contou com leis que reconheciam a existência da diversidade. Inclusive a Igreja católica reconhece a existência do que chamam de “orientação homossexual”, e diz que devemos amar o pecador e odiar o pecado... O que mudou não é a existência da diversidade sexual, mas o modo como a tratamos.

E como a tratamos?

Assim como eu o vejo, nos últimos anos reconhecemos a realidade da diversidade sexual, mas continua sendo difícil acompanhar o valor ou valores que pode supor, ainda que creio que temos dado importantes passos nesta direção, para não citar os passos que foram dados na Espanha e em outros países em relação às uniões homossexuais. A lei aceita muito melhor inclusive outros tipos de diversidade, como o sexo masoquista, ou outros tipos de comportamentos, como o sexo fora do casamento ou as famílias homoparentais. Tudo o que na minha infância eram tabus sexuais, agora são aceitos na maioria dos países da Europa, assim que estamos indo na direção de uma maior aceitação da abertura e diversidade. Hoje os livros de medicina têm dificuldade para definir o que é perverso, o que significa que não podemos tomar decisões sobre o que é apropriado ou inapropriado, bom ou mau. Mas onde se produziu a grande mudança não foi tanto no que se faz, mas no como se faz.

O que é que nos preocupa agora?

Hoje já não estamos mais tão preocupados sobre se somos homossexuais ou heterossexuais, mas em se a relação que estabelecemos é positiva. E estamos mais preocupados com o abuso e a violência do que no passado; por exemplo, sobre o incesto, buscamos uma proteção para as crianças. Não abandonamos os valores, a moral e a ética, simplesmente temas distintos nos preocupam.

Menciona as perversões, são temas que ainda são falados em voz muito baixa...

Se voltamos cem anos na história, vemos que os sexólogos pioneiros estavam muito preocupados em definir as perversões, que naquela época eram muito similares aos pecados enumerados pela Igreja. Mas nos últimos vinte ou trinta anos, a maioria dos cientistas e as atitudes médicas, se afastaram da tentativa de definir uma perversão exceto em termos de algo que inclua a força ou a violência contra outros. Diz-se que a única coisa que se pode chamar de perversão é o que é imposto com violência contra outro. Nos manuais oficiais de diagnóstico, pouco a pouco foram eliminando o que costuma ser considerado como perversões, e a homossexualidade foi um dos primeiros exemplos. Primeiro era um pecado; depois, uma perversão, e agora é considerada uma variação, entre outras, da sexualidade. Onde não se deu foi, claro, na pedofilia, porque se trata da imposição de valores adultos, não podem entrar no mesmo debate porque é um nível relacional diferente. Preocupa-nos o contexto; o importante é a escolha livre, o consentimento, e repudiar o poder e a violência.

Em suas conferências você afirma que as mulheres, apesar da revolução feminista, continuam tendo no fundo de sua cabeça um homem que os chama à submissão. É também uma provocação ou acredita que seja verdade?

A afirmação vem de um trabalho realizado por uma colega, Janet Holland, e sua equipe, que entrevistaram mulheres sobre suas atitudes sexuais e encontraram que, mesmo que afirmassem suas próprias opções, admitiam que, em última instância, tinham dificuldades para se afastar dos valores tradicionais numa relação com um homem. Seguiam, de algum modo, submetidas aos homens em muitas situações. Janet explica que não é algo biológico e inevitável, mas que simbolicamente é como se ainda houvesse um homem na cabeça das mulheres, algo que as debilita na hora de resistir aos valores tradicionais. Muitas mulheres reconheciam que tinham que lutar constantemente contra isso.

Parece que é mais difícil às lésbicas se tornarem visíveis do que os homossexuais varões. Funciona aqui a dupla marginalização?

Creio que o movimento homossexual feminino emergiu das sombras nos últimos 20 anos. Historicamente, sempre foi mais fácil para os homens explorar a sua sexualidade do que para as mulheres, e isto se deve a que a nossa atitude em relação à sexualidade está muito baseada em supostos de gênero: os homens são ativos, e as mulheres, passivas. E, socialmente, no passado era muito mais fácil para os homens afastar-se das atitudes familiares tradicionais e ter sexo fora da família, que é o que aconteceu até o final do século XX. A maioria dos homens que tinha relações homossexuais também estava casado, mas era impossível para as mulheres que estivessem casadas ter relações sexuais fora do casamento, porque isso teria representado um desastre econômico, social e moral. Assim que podemos dizer que o mundo gay masculino está mais desenvolvido do que o feminino. Muitas das lésbicas que conheço continuam explorando sua sexualidade. Estamos em momentos diferentes do desenvolvimento histórico.

São os transexuais o desafio pendente à invisibilidade e legalidade?

O transgênero sempre fez parte do conflito dos temas gay, desde os primeiros dias da libertação. Mas enquanto o nosso movimento se expandiu e adotou diferentes formas, o aumento dos movimentos transexuais ou transgênero representou nos últimos anos uma volta aos objetivos radicais do início que questionavam o elemento permanente do gênero. Mas, simplesmente creio que é um aspecto do debate amplo sobre os significados do gênero e da sexualidade.

A promiscuidade dos homossexuais se converteu num tópico, é uma reação frente à anterior falta de visibilidade ou obedece a outros questões sexuais?

Não acredito que a promiscuidade seja necessariamente algo associado aos homossexuais. Sei que muitos homossexuais têm múltiplos parceiros, mas também conheço muitos que são monogâmicos. Não acredito realmente que os homossexuais sejam mais promíscuos que os heterossexuais, o que se poderia dizer é que há menos limitações. Até há pouco tempo eram impedidos de se casarem, e era mais fácil explorar a sexualidade em distintas atividades. A cena sexual baseada em parceiros distintos foi um modo de explorar a sexualidade num mundo em que a homossexualidade havia sido reprimida. Há homens promíscuos homossexuais e heterossexuais; não acredito que a cena gay masculina seja definida pela promiscuidade.

Parece que os valores da sexualidade estão se libertando numa paisagem remodelada no que devemos aprender a navegar sem mapas. Como vê essa paisagem?

As relações falham, há relações que fracassam, e isto sempre aconteceu e talvez aconteça mais hoje do que no passado pela falta de bons mapas. Mas, apesar de tudo, as pessoas vivem tentando ter relações e a paisagem hoje é mais um grande continente com diferentes populações que coexistem. Algumas vezes se constroem novas formas de identidade, às vezes se constroem muros em torno de suas vidas... É uma paisagem confusa e muitas vezes é difícil encontrar o caminho, mas creio que a pluralidade é o que define nosso ambiente, e não temos outro remédio que aprender a viver com ele.

in: http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=20411


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