ESPAÇO DE ENCONTRO E REFLEXÃO ENTRE CRISTÃOS HOMOSSEXUAIS em blog desde 03-06-2007
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publicado por Riacho, em 29.07.16 às 11:41link do post | favorito

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João, no quinto aniversário da tua partida, continuas presente nos nossos corações e em tua memória, republicamos o texto que o José António de Almeida magistralmente escreveu para ti. 

 

IN MEMORIAM

JOÃO NORONHA E CASTRO

1954 - 2011

Havia no João uma invencível alegria. “Sou o homem mais feliz do mundo” foi uma das últimas frases que lhe ouvi, a poucos dias do fim. Fazia sempre, durante todo o longo período em que deu combate ao cancro, uma distinção entre as dores físicas que sentia e uma imensa reserva de alegria interior. Conheci o João na Capela do Rato, onde a sua presença resplandeceu, com muita graça e sábias palavras, nas reuniões do pequeno grupo de católicos de condição homossexual em que começou a tomar parte a partir de 2005 e que frequentou até à dissolução do grupo em 2008. Alto, robusto, de cabeça rapada, a sua pêra e bigode lembravam, sem que ele todavia o mencionasse, as célebres barbas de D. João de Castro, o lendário vice-rei da Índia, de quem era, por linhagem, descendente. Contagiado pelo entusiasmo e militância do João, foi na terna e fraterna companhia dele que participei, pela primeira vez, na Marcha Gay de Lisboa. Já muitíssimo debilitado pela doença, ainda manifestou a vontade de ir à Marcha, e sem ser difícil foi necessário  dissuadi-lo do desejo de concretizar tal propósito. Arquitecto por profissão, entre outras numerosas obras, projectou com grande beleza na Abrigada, perto de Alenquer, a título quase gratuito e conforme à sua enorme generosidade, dois edifícios numa cidadela do Movimento dos Focolares, movimento de inspiração cristã fundado por Chiara Lubich. Abrigada, a terra muitas vezes evocada que conserva algumas raízes do seu clã familiar, valor que cultivava. Tinha pela mãe um amor desmesurado e impossível de descrever. A ligação profunda que mantinha com o seu querido Francisco, desde tempo anterior ao momento em que nos conhecemos, nunca falhou e dela posso e devo dar testemunho. Vinha de muito longe, resistiu à provação da doença e foi fonte de consolação até ao minuto derradeiro. “Ontem, na cama, recebi um abraço tão forte”, “passei a noite a conversar com ele” e outras frases do género foram partilhadas com muitos de nós, seus amigos, em casa ou no hospital. Uma ligação firme e duradoira que soube enfrentar, posso dizê-lo, embora pareça indiscreto da minha parte, todos os cenários da vida sexual do João. Alguns namorados de ocasião, ao princípio, não compreendiam nem encaixavam o assunto muito bem. Depois, rapidamente, passavam a aceitar e até a olhar com respeito uma ligação tão antiga, fiel e verdadeira. Mas também com outras relações, de curso mais demorado, jamais houve, que eu saiba, um problema sério por causa disso. E acredito mesmo  que essa ligação entre o João e o Francisco, apesar da morte e até por causa da morte, é agora mais viva e forte do que nunca, pois o Francisco - como o João sempre lhe chamava, com aquela simplicidade que era timbre dos dois, sem jamais ostentar o título honroso do seu amigo e companheiro de toda a vida -, o Francisco que sempre o João trazia nos lábios com um sorriso e de quem nos falava de forma constante como é costume de quem muito ama, esse bondoso Francisco, canonicamente, responde também pelo nome, só um pouquinho mais comprido, de São Francisco de Assis. E vejo-o, de perfil, ao lado da sua cama. Até sempre, passarinho.

 

José António Almeida

 

Texto publicado na Time Out nº 204 de 24-08-2011


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publicado por Riacho, em 27.07.14 às 11:41link do post | favorito

Torrazeta, Itália, 2006

 

Hoje, 27 de Julho de 2014, terceiro aniversário da partida do nosso João, que recordamos com muita amizade e carinho republicamos o texto que José António de Almeida escreveu em sua memória:

 

IN MEMORIAM

JOÃO NORONHA E CASTRO

1954 - 2011

Havia no João uma invencível alegria. “Sou o homem mais feliz do mundo” foi uma das últimas frases que lhe ouvi, a poucos dias do fim. Fazia sempre, durante todo o longo período em que deu combate ao cancro, uma distinção entre as dores físicas que sentia e uma imensa reserva de alegria interior. Conheci o João na Capela do Rato, onde a sua presença resplandeceu, com muita graça e sábias palavras, nas reuniões do pequeno grupo de católicos de condição homossexual em que começou a tomar parte a partir de 2005 e que frequentou até à dissolução do grupo em 2008. Alto, robusto, de cabeça rapada, a sua pêra e bigode lembravam, sem que ele todavia o mencionasse, as célebres barbas de D. João de Castro, o lendário vice-rei da Índia, de quem era, por linhagem, descendente. Contagiado pelo entusiasmo e militância do João, foi na terna e fraterna companhia dele que participei, pela primeira vez, na Marcha Gay de Lisboa. Já muitíssimo debilitado pela doença, ainda manifestou a vontade de ir à Marcha, e sem ser difícil foi necessário  dissuadi-lo do desejo de concretizar tal propósito. Arquitecto por profissão, entre outras numerosas obras, projectou com grande beleza na Abrigada, perto de Alenquer, a título quase gratuito e conforme à sua enorme generosidade, dois edifícios numa cidadela do Movimento dos Focolares, movimento de inspiração cristã fundado por Chiara Lubich. Abrigada, a terra muitas vezes evocada que conserva algumas raízes do seu clã familiar, valor que cultivava. Tinha pela mãe um amor desmesurado e impossível de descrever. A ligação profunda que mantinha com o seu querido Francisco, desde tempo anterior ao momento em que nos conhecemos, nunca falhou e dela posso e devo dar testemunho. Vinha de muito longe, resistiu à provação da doença e foi fonte de consolação até ao minuto derradeiro. “Ontem, na cama, recebi um abraço tão forte”, “passei a noite a conversar com ele” e outras frases do género foram partilhadas com muitos de nós, seus amigos, em casa ou no hospital. Uma ligação firme e duradoira que soube enfrentar, posso dizê-lo, embora pareça indiscreto da minha parte, todos os cenários da vida sexual do João. Alguns namorados de ocasião, ao princípio, não compreendiam nem encaixavam o assunto muito bem. Depois, rapidamente, passavam a aceitar e até a olhar com respeito uma ligação tão antiga, fiel e verdadeira. Mas também com outras relações, de curso mais demorado, jamais houve, que eu saiba, um problema sério por causa disso. E acredito mesmo  que essa ligação entre o João e o Francisco, apesar da morte e até por causa da morte, é agora mais viva e forte do que nunca, pois o Francisco - como o João sempre lhe chamava, com aquela simplicidade que era timbre dos dois, sem jamais ostentar o título honroso do seu amigo e companheiro de toda a vida -, o Francisco que sempre o João trazia nos lábios com um sorriso e de quem nos falava de forma constante como é costume de quem muito ama, esse bondoso Francisco, canonicamente, responde também pelo nome, só um pouquinho mais comprido, de São Francisco de Assis. E vejo-o, de perfil, ao lado da sua cama. Até sempre, passarinho.

 

José António Almeida

 

Texto publicado na Time Out nº 204 de 24-08-2011


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publicado por Riacho, em 02.02.13 às 23:33link do post | favorito

Um ator de novelas recém saído do armário cruza caminhos com um ativista pró-casamento gay recém divorciado, forçando-os a confrontar o preço da fama e a natureza instável da celebridade dentro da comunidade gay.




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publicado por Riacho, em 13.01.13 às 22:10link do post | favorito

Numa vila no sudoeste da França, 1962, Maite e François tem 18 anos de idade. Eles são amigos, não amantes. Na sala de aula de François, há Serge, cujo irmão foi casado apenas para tentar escapar da guerra na Argélia, e Henri, um pied-noir (nascida na Argélia e francês). François e Serge têm uma relação homossexual, mas Serge quer casar-se com a mulher de seu irmão ...

Para ver as legendas em portugês clicar em CC.

 


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publicado por Riacho, em 13.01.13 às 19:29link do post | favorito

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publicado por Riacho, em 28.08.12 às 14:28link do post | favorito

Veja o que o governo sueco está fazendo: mostrar o relacionamento gay em uma propaganda para falar de um serviço oferecido a toda população!

No caso, o objetivo é conscientizar os suecos a atualizar o endereço postal quando se mudarem de casa. Um dos filmes mostra um jovem sueco em Paris curtindo a paixão por um morador da cidade.

Depois, é mostrado o moço já nos seus 40 anos e tendo um casamento chato com uma mulher! O comercial arremata: se tivesse atualizado o endereço, não teria perdido as cartas que seu amor de Paris lhe enviou! Incrível, não é?

Ah, detalhe para o que o sueco oferece para a mulher: um croissant!

 

Fonte: http://paroutudo.com/2012/08/27/suecia-faz-comercial-gay-para-falar-com-toda-populacao-muito-bom/


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publicado por Riacho, em 26.07.12 às 20:59link do post | favorito

                                                Torrazeta, Itália, 2006


Hoje, 27 de Julho de 2012, primeiro aniversário da partida do nosso João, que recordamos com muita amizade e carinho republicamos o texto que José António de Almeida escreveu em sua memória:


IN MEMORIAM

JOÃO NORONHA E CASTRO

1954 - 2011

Havia no João uma invencível alegria. “Sou o homem mais feliz do mundo” foi uma das últimas frases que lhe ouvi, a poucos dias do fim. Fazia sempre, durante todo o longo período em que deu combate ao cancro, uma distinção entre as dores físicas que sentia e uma imensa reserva de alegria interior. Conheci o João na Capela do Rato, onde a sua presença resplandeceu, com muita graça e sábias palavras, nas reuniões do pequeno grupo de católicos de condição homossexual em que começou a tomar parte a partir de 2005 e que frequentou até à dissolução do grupo em 2008. Alto, robusto, de cabeça rapada, a sua pêra e bigode lembravam, sem que ele todavia o mencionasse, as célebres barbas de D. João de Castro, o lendário vice-rei da Índia, de quem era, por linhagem, descendente. Contagiado pelo entusiasmo e militância do João, foi na terna e fraterna companhia dele que participei, pela primeira vez, na Marcha Gay de Lisboa. Já muitíssimo debilitado pela doença, ainda manifestou a vontade de ir à Marcha, e sem ser difícil foi necessário  dissuadi-lo do desejo de concretizar tal propósito. Arquitecto por profissão, entre outras numerosas obras, projectou com grande beleza na Abrigada, perto de Alenquer, a título quase gratuito e conforme à sua enorme generosidade, dois edifícios numa cidadela do Movimento dos Focolares, movimento de inspiração cristã fundado por Chiara Lubich. Abrigada, a terra muitas vezes evocada que conserva algumas raízes do seu clã familiar, valor que cultivava. Tinha pela mãe um amor desmesurado e impossível de descrever. A ligação profunda que mantinha com o seu querido Francisco, desde tempo anterior ao momento em que nos conhecemos, nunca falhou e dela posso e devo dar testemunho. Vinha de muito longe, resistiu à provação da doença e foi fonte de consolação até ao minuto derradeiro. “Ontem, na cama, recebi um abraço tão forte”, “passei a noite a conversar com ele” e outras frases do género foram partilhadas com muitos de nós, seus amigos, em casa ou no hospital. Uma ligação firme e duradoira que soube enfrentar, posso dizê-lo, embora pareça indiscreto da minha parte, todos os cenários da vida sexual do João. Alguns namorados de ocasião, ao princípio, não compreendiam nem encaixavam o assunto muito bem. Depois, rapidamente, passavam a aceitar e até a olhar com respeito uma ligação tão antiga, fiel e verdadeira. Mas também com outras relações, de curso mais demorado, jamais houve, que eu saiba, um problema sério por causa disso. E acredito mesmo  que essa ligação entre o João e o Francisco, apesar da morte e até por causa da morte, é agora mais viva e forte do que nunca, pois o Francisco - como o João sempre lhe chamava, com aquela simplicidade que era timbre dos dois, sem jamais ostentar o título honroso do seu amigo e companheiro de toda a vida -, o Francisco que sempre o João trazia nos lábios com um sorriso e de quem nos falava de forma constante como é costume de quem muito ama, esse bondoso Francisco, canonicamente, responde também pelo nome, só um pouquinho mais comprido, de São Francisco de Assis. E vejo-o, de perfil, ao lado da sua cama. Até sempre, passarinho.

 

José António Almeida

 

Texto publicado na Time Out nº 204 de 24-08-2011

 

 


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publicado por Riacho, em 19.04.12 às 00:11link do post | favorito

Les amitiés particulières é um filme baseado no romance de Roger Peyrefitte, vencedor do prêmio Renaudot e provavelmente, a obra mais conhecida do autor na atualidade. Autobiográfico, descreve as relações íntimas de dois rapazes num colégio interno católico e como estas foram destruidas pelos sentimentos pedófilos de um padre pelo mais jovem dos dois. Em CC podem ativar a legendagem em português! Bom filme

 



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publicado por Riacho, em 27.03.12 às 21:56link do post | favorito

Vozes no interior da Igreja começam a defender as relações afetivas estáveis entre pessoas do mesmo sexo. O Espírito Santo age na Igreja. É preciso confiar e acreditar.

 

Em menos de nem um mês, três golpes de martelo caíram sobre a pretensão da Igreja de bloquear na Itália uma lei sobre os casais de fato. O primeiro foi o clamoroso funeral de Lucio Dalla em Bolonha: celebrado na catedral com todas as aprovações, permitindo que o companheiro homossexual do falecido homossexual o celebrasse falecidos a poucos passos do altar. 

A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 24-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Depois, no dia 15 de março, veio a sentença da Corte de Cassação, que, embora rejeitando a transcrição na Itália de um casamento homossexual celebrado no exterior, sancionou para o casal gay, na presença de situações específicas, o direito a um "tratamento homogêneo ao assegurado pela lei aos casais conjugados".

Agora se ouve diretamente de dentro da Igreja o cardeal Martini, afirmando que não tem sentido demonizar os casais homossexuais e impedi-los de fazer um pacto. Com a pacatez que o diferencia, o ex-arcebispo de Milão desafia, portanto, aquela "doutrina Ratzinger" que consistiria na obrigação dos políticos católicos se se uniformizarem aos "princípios inegociáveis" proclamados pela cátedra vaticano, impedindo a aprovação de uma lei sobre as uniões civis e menos ainda sobre as uniões gays. 

Há muitos anos, Carlo Maria Martini exerce a sua notável liberdade de julgamento, exortando com humildade a Igreja a não trocar o núcleo da fé pela fossilização de posições insustentáveis para o sentimento contemporâneo. Isso também vale para a posição a ser adotada com respeito às relações homossexuais, em que a instituição eclesiástica está paralisada há anos no meio do caminho. Porque, quando era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé,Joseph Ratzinger tinha emitido documentos para exortar o respeito pelas pessoas homossexuais e para repudiar todos os tipos de discriminação, ridicularização e perseguição. 

Mas, ao mesmo tempo, havia reiterado que a prática homossexual representa uma grave ofensa contra a ordem moral: daí a condenação sem apelo das relações homem-homem ou mulher-mulher. Com a consequência de sabotar, na Itália, as tentativas do último governo Prodi de aprovar uma lei sobre os casais de fato. 

No livro Credere e conoscere [Crer e conhecer] (Ed. Einaudi), no qual ele dialoga com o cirurgião católico Ignazio Marino, expoente do Partido Democrático [italiano], o cardeal Martini afirma, ao invés, que há casos em que "a boa fé, as experiências vividas, os hábitos adquiridos, o inconsciente e, provavelmente, também uma certa inclinação natural podem levar a escolher para si um tipo de vida com um parceiro do mesmo sexo". 

No mundo atual, defende o purpurado, esse comportamento não pode ser "nem demonizado nem ostracizado". E, por isso, Martini se declara "pronto para admitir o valor de uma amizade duradoura e fiel entre duas pessoas do mesmo sexo".

O ex-arcebispo de Milão, além disso, salienta o significado profundo do fato de que Deus criou o homem e a mulher e, portanto, o valor primário do matrimônio heterossexual e também acrescenta que não considera como um "modelo" a união de casais do mesmo sexo. No entanto, atento às necessidades das pessoas em sua humanidade, o cardeal afirma que, se os dois parceiros do mesmo sexo "aspiram a firmar um pacto para dar uma certa estabilidade ao seu casal, por que queremos absolutamente que assim não seja"?. As motivações do matrimônio tradicional, explica, são tão fortes que não precisam ser sustentadas por meios extraordinários. 

Além disso, muitos na Igreja, bispos e párocos, pensam como ele. Mesmo que não falem. Em 2008, a revista dos jesuítas milaneses Aggiornamenti Sociali publicou um estudo para dizer que – permanecendo firme a doutrina –, do ponto de vista do bem social era positivo dar a possibilidade aos casais gays de ter uma relação estável regulamentada pelo direito. E, portanto, era justo legislar sobre o assunto.

A cúpula eclesiástica, sobre a questão, fecha olhos e ouvidos. No entanto, é um sinal o fato de que, na televisão, falando no programa Otto e Mezzo, o líder católico Pier Ferdinando Casini tenha se dito publicamente de acordo com a sentença da Cassação, reafirmando que "os casais homossexuais têm direito à sua afetividade e de serem protegidos nos seus direitos". Casini deu um exemplo concreto: "Se eu convivo há 30 anos com uma pessoa, em termos de eixo hereditário, é preciso ser sensível a essa pessoa que conviveu comigo". Esse é um dos motivos pelos quais uma lei é necessária. E é bom que, no parlamento [italiano], tenham voltado a falar de algumas propostas de lei até agora congeladas.

 

Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/507898-a-igreja-martini-e-os-gays


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publicado por Riacho, em 26.03.12 às 19:11link do post | favorito

"Uma amizade duradoura e fiel sempre foi uma grande honra". Publicamos aqui o diálogo entre o cardeal Carlo Maria Martini e o senador do Partido Democrático italiano Ignazio Marino no livro Credere e conoscere [Crer e conhecer]. 


Eles abordam questões ligadas à vida, à sexualidade e à fé. O purpurado defende "o matrimônio tradicional com todos os seus valores", mas admite: "Não compartilho as posições daqueles que, na Igreja, criticam as uniões civis".

O trecho do livro foi publicado no jornal Corriere della Sera, 23-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o diálogo.

Ignazio Marino – 
A propósito das mudanças sociais e culturais com as quais nos enfrentamos nesta nossa época, também se apresenta naturalmente, nesse ponto, a questão da homossexualidade. Parece-me que a hipótese da possibilidade de uma separação completa entre sexualidade e procriação leva a nos interrogarmos também sobre esse ponto.

Carlo Maria Martini – Levando em conta tudo isso, gostaria também de expressar a minha avaliação sobre o tema da homossexualidade. É difícil falar dele com poucas palavras, porque hoje ele assumiu, principalmente em alguns países ocidentais, um relevo público e assumiu como suas aquelas suscetibilidades que são próprias dos grupos minoritários, ou que assim se acreditam, e que aspiram a um reconhecimento social. Daí podem ser entendidas (não necessariamente aprovadas) certas insistências que, em um primeiro momento, poderiam parecer exageradas – penso, por exemplo, em manifestações como a Parada Gay –, que eu só consigo justificar pelo fato de que, neste particular momento histórico, existe, para esse grupo as pessoas, a necessidade de autoafirmação, de mostrar a todos a própria existência, mesmo às custas de aparecer excessivamente provocadores. 

Pessoalmente, considero que Deus nos criou homem e mulher, e que, por isso, a doutrina moral tradicional conserva boas razões sobre esse ponto. Naturalmente, estou pronto para admitir que, em alguns casos, a boa fé, as experiências vividas, os hábitos adquiridos, o inconsciente e, provavelmente, também uma certa inclinação natural podem levar a escolher para si um tipo de vida com um parceiro do mesmo sexo.

No mundo atual, tal comportamento não pode ser, por isso, nem demonizado nem ostracizado. Estou pronto até para admitir o valor de uma amizade duradoura e fiel entre duas pessoas do mesmo sexo. A amizade sempre foi tida em grande honra no mundo antigo, talvez mais do que hoje, embora ela fosse amplamente entendida no âmbito daquela superação da esfera puramente física da qual eu falei antes, para ser uma união de mentes e de corações. Se ela for entendida como doação sexual, então não pode, a meu ver, ser elevada a modelo de vida, como pode ser uma família bem sucedida. Esta última tem uma grande e incontestável utilidade social. Outros modelos de vida não podem sê-lo da mesma forma e, principalmente, não devem ser exibidos de modo a ofender as convicções de muitos.

Ignazio Marino – Não se pode ignorar, contudo, que as uniões de fato, incluindo aquelas entre pessoas do mesmo sexo, são uma realidade do nosso tempo, embora em muitos países não sejam reconhecidas. Consequentemente, a casais unidos por um sentimento de amor são negados alguns direitos fundamentais, por exemplo a possibilidade de uma assistência ao próprio companheiro ou companheira internado no hospital, a partilha de contratos de seguro, até a exclusão da herança dos bens adquiridos juntos ou compartilhados durante a vida e assim por diante. 

Eu não entendo por que o Estado encontra dificuldades para reconhecer tais uniões, mesmo respeitando o papel fundamental da família tradicional para a organização da sociedade, e por outro lado custo a compreender por que a maiores resistências vêm da Igreja Católica, que, ao menos na Itália, se mostra muito pouco tolerante com relação à ideia de ampliar os direitos a todas as uniões. Por que tanta contrariedade, a julgar pelo pensamento que é comumente difundido e divulgado?

Carlo Maria Martini – Eu acredito que a família deve ser defendida, porque é realmente o que sustenta a sociedade de modo estável e permanente, e pelo papel fundamental que ela exerce na educação dos filhos. Mas não é ruim, em vez de relações homossexuais ocasionais, que duas pessoas tenham uma certa estabilidade, e, portanto, nesse sentido, o Estado também poderia favorecê-las. Não compartilho as posições de quem, na Igreja, critica as uniões civis. 

Eu apoio o matrimônio tradicional com todos os seus valores e estou convencido de que não deve ser posto em discussão. Se, depois, algumas pessoas do sexo diferente ou mesmo do mesmo sexo aspiram a firmar um pacto para dar uma certa estabilidade ao seu casal, por que queremos absolutamente que assim não seja? Eu penso que o casal homossexual, enquanto tal, jamais poderá ser equiparado totalmente ao matrimônio e, por outro lado, não acredito que o casal heterossexual e o matrimônio devem ser defendidos ou reafirmados com meios extraordinários, porque se baseiam em valores tão fortes que não me parece ser necessário uma intervenção de proteção.

Também por isso, se o Estado concede qualquer benefício aos homossexuais, eu não criticaria muito. A Igreja Católica, por sua vez, promove as uniões que sejam favoráveis à continuação da espécie humana e à sua estabilidade, mas não é justo expressar qualquer discriminação para outros tipos de uniões.

Ignazio Marino – Com certa frequência, ouvimos declarações públicas, incluindo de homens e mulheres que ocupam cargos institucionais, que defendem como a homossexualidade está, de algum modo, correlacionada com a pedofilia. No dia 13 de abril de 2010, em uma entrevista a uma rádio chilena, o cardeal Bertone, secretário de Estado do Vaticano, afirmou: "Inúmeros psiquiatras e psicólogos demonstraram que não existe relação entre celibato e pedofilia, mas muitos outros – e isso também me foi confirmado recentemente – demonstraram que existe uma ligação entre homossexualidade e pedofilia". É preciso lembrar que o porta-voz da Santa Sé, padre Federico Lombardi, explicou depois que o secretário de Estado do Vaticano se referia "à problemática dos abusos dentros da Igreja e não na população mundial".

São afirmações que desorientam. Ainda em 1973, a American Psychiatric Association indicou que a homossexualidade não é uma patologia psiquiátrica, mas sim uma orientação normal da sexualidade humana, alternativa à prevalecente heterossexualidade. É também bem conhecido que a Organização Mundial de Saúdereafirmou claramente o mesmo princípio no dia 17 de maio de 1990. Portanto, a ciência já deixou claro que a homossexualidade não é uma doença, não é um comportamento anômalo, e os homossexuais devem ser respeitados, têm os mesmos direitos que os heterossexuais e não devem ser discriminados. 

Ao contrário, a pedofilia é uma patologia psiquiátrica, e os pedófilos representam um gravíssimo perigo social. Infelizmente, nos últimos anos, surgiram muitos dados que ilustram como um crime tão horrível e repugnante como a pedofilia encontrou espaço dentro da Igreja.

Carlo Maria Martini – Vou me limitar a lembrar que, nesse caso, há um engano e uma violência que são usados contra quem é incapaz de se defender, mesmo que pareça consensual. Além disso, faz-se um dano incalculável, cujas consequências poderão durar toda a vida. Por isso, a opinião pública, geralmente tão permissiva, acompanhou com horror esses acontecimentos. Em alguns, havia depois o agravante de um pacto ao menos implícito, em que se expressava a confiança dos pais e que era violado por aqueles que deveriam educar as crianças. 

Foi com muita dor que vimos que até mesmo alguns sacerdotes e religiosos estavam envolvidos nesses episódios. Mas aprendemos com a experiência que é preciso ser inflexível na identificação oportuna daqueles que têm a inclinação para tal patologia tão perigosa e rigoroso ao excluí-los logo da vida sacerdotal e da consagração religiosa. Tais pessoas deveriam ser submetidas a tratamentos psicológicos.

  • Carlo Maria Martini e Ignazio Marino. Credere e conoscere, editado por Alessandra Cattoi. Ed. Einaudi, 84 páginas.

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