Olá
Partilhamos hoje um texto de um teólogo amigo para nos ajudar a viver mais intensamente a Semana Santa.
O Deus que se revela no Crucificado
De toda a narração da Paixão de Jesus que S. Marcos nos deixou, duas palavras me ocuparam de modo mais intenso nestes últimos dias. Refere Marcos que, no momento da morte de Jesus, o véu do templo se rasgou de alto a baixo (15,38) e que um centurião romano, olhando para o crucificado acabado de morrer, exclamou “verdadeiramente este homem era o Filho de Deus” (15,39).
O véu do templo escondia aos olhos do Povo aquilo que era considerado como símbolo por excelência da presença de Deus: a Arca da Aliança. Estava ali, no templo, num lugar sagrado, o mais santo. Se Deus, porque é Deus, não pode ser visto nem é acessível aos crentes, também os sinais-simbólicos da presença desse Deus eram inacessíveis ao povo. Apenas o sumo-sacerdote ali entrava. Uma religião cultivada por “sacerdotes” sabia como manter esta distância entre o povo e Deus. Eram eles os únicos intermediários autorizados. Mais distante Deus estava, mais o povo precisava deles e do seu templo.
Mas com a morte de Jesus, rompe-se este véu que no templo escondia o “santo dos santos”. A mensagem é clara: no Crucificado, Deus revela-se. O Deus distante torna-se próximo, perto e visível, de uma maneira acessível a todos. Próximo de todos, numa proximidade que o jeito de viver, a palavra e os gestos de Jesus de Nazaré já tinham anunciado, mesmo proclamado, mas que agora se torna “patente”. O “Segredo messiânico” revela-se. Na cruz mostra-se, pode-se “ ver” o Deus que se identificou com as vítimas e com os que sofrem.
“Quando nós os cristãos erguemos os olhos para o rosto do Crucificado, contemplamos o amor insondável de Deus, entregue à morte para nossa salvação. Se o olhamos mais atentamente, logo descobrimos nesse rosto o de tantos outros crucificados que, longe ou perto de nós, estão a reclamar o nosso amor solidário e compassivo.” (A. Pagola)
A verdadeira religião, a partir de agora, não vive diante dos véus opacos do templo, mas na procura do rosto de Deus na vida das pessoas, sobretudo dos martirizados. A verdadeira religião não cultiva os rituais do “véu fechado”, mas procura o encontro com aqueles em que Deus se revela, para viver o amor como ele mostrou que é possível viver.
Foi isto que o centurião romano compreendeu. E a sua “observação” não é uma afirmação de catecismo, mas um acto de fé de alguém que, estando do lado dos carrascos, se converte a partir do reconhecimento da vítima e da revelação de Deus nessa mesma vítima.
Se o rasgar do véu do templo era um sinal que os judeus compreendiam bem, a confissão/ “conversão” do centurião era um apelo a todos os de fora, os não judeus, todos os que não tinham obrigação de perceber a problemática do templo e da sua religião, mas eram e são chamados a pensar a partir das categorias de humanidade: “este Homem” era verdadeiramente o Filho de Deus.. Os direitos humanos são traços da dignidade de filhos de Deus. Quem procura a verdade e se deixa interpelar pelo sofrimento dos inocentes, também esse “vê” o Deus que se revela tão claramente em Jesus, o Servo de Javé crucificado, e, nele, em todos os crucificados, de todos os tempos, em todos os expoliados e roubados dos seus direitos, em todos os maltratados na sua dignidade de filhos de Deus.
Deixemo-nos interpelar pelo Crucificado e pelo segredo que nele se revela. O Deus do Amor- que-dá-a-vida está bem visível no meio de nós, sem véus de templo, sem segredos. Basta ver, contemplar, re-conhecer!
Joaquim Nunes
Teólogo