ESPAÇO DE ENCONTRO E REFLEXÃO ENTRE CRISTÃOS HOMOSSEXUAIS em blog desde 03-06-2007
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publicado por Riacho, em 26.02.10 às 23:57link do post | favorito

 

A quem esta reportagem do jornal expresso passou despercebida, aqui fica a sua publicação.

 

São jovens que não abrem mão de ser quem são. E de amar às claras. Sem máscaras. Querem dar a cara, com ou sem o apoio dos pais. São a nova geração gay.
Bernardo Mendonça e Chistiana Martins (texto), Jorge Simão (fotografias)

 

7:07 Quinta-feira, 25 de Fev de 2010
 

 

 Apenas Maria e Manuel, casal de classe média, de 42 e 43 anos, aceitaram dar a cara pela homossexualidade da sua filha Alice. Uma adolescente extremamente bonita, feminina, a milhas de distância do estereótipo da lésbica arrapazada. Há dois anos Alice confessou à mãe que era homossexual. Tinha 14 anos e não aguentou guardar para si o segredo. Os pais apoiaram-na. Ainda pensaram que poderiam ser dúvidas de adolescente, mas com o tempo, a filha fê-los ver que estavam errados. (ver depoimento).

 

 
Alice ainda não ganhou coragem para assumir a sua identidade sexual aos amigos, colegas ou à restante família. Tem receio das consequências, das reacções. Por isso é a única adolescente nesta reportagem que não dá a cara e o seu verdadeiro nome não é Alice. No entanto, foi ela mesma quem contactou o Expresso, decidida a partilhar a sua história e que pediu aos pais que partilhassem o seu testemunho.

 

 
Chegam os três pontualmente ao café combinado em Lisboa. Parecem serenos. Cúmplices. Em paz. Quem fala primeiro é o pai. Olhos nos olhos: "É estranho. Esta é a primeira vez que estou a falar em frente à minha filha sobre a sua sexualidade. A mesma questão se poria se estivéssemos a falar das minhas outras duas filhas. O que difere é que a orientação sexual da Alice gera uma tal reacção de rejeição e ignorância por parte da sociedade que nos obriga a dar esta entrevista. Preferia que não fosse necessária". Alice permanece em silêncio.

 

 
Aceitação natural

 

A mãe recorda como a tentou acalmar quando a filha lhe revelou que gostava de raparigas. "Disse-lhe que estaríamos sempre com ela. Incondicionalmente. Os pais desejam sempre para os filhos a maior felicidade, não é? E estava na altura de nós demonstrarmos isso mesmo. A nossa aceitação foi natural. Talvez tenha ajudado o facto de não sermos preconceituosos. Se ainda não assumimos aos outros elementos da família é porque a nossa filha não se sente preparada". O pai olha para a filha e confessa a sua maior preocupação: "Sinto que pode ser mais difícil para ela ser feliz, que pode encontrar mais entraves na sua vida só pelo facto de gostar de pessoas do mesmo sexo. Mas estaremos aqui para a amparar e aconselhar". A mãe remata o assunto: "É puro egoísmo sermos nós a designar o futuro dos nossos filhos. O importante é apoiá-los nas suas escolhas, respeitá-los, aceitá-los com as suas vontades e desejos. Quanto a mim, a única coisa que me faz distinguir as pessoas é se têm um bom ou mau carácter. Se são bons ou maus cidadãos. Se defendem as causas que acreditam. O resto? São apenas características. Tal como o facto de a Alice ter o cabelo e os olhos castanhos, ser inteligente ou responsável".

 

 
Foi por acharem exactamente o mesmo, e se sentirem incomodados com o silêncio e o preconceito da sociedade sobre este tema, que o casal Margarida e Paulo, de 51 e 50 anos, decidiu formar a Associação de Mães e Pais Pela Liberdade de Orientação Sexual (AMPLOS) cinco anos após terem descoberto que uma das filhas - Catarina, 22 anos - tinha uma orientação homossexual. "Os pais têm que decidir se querem estar do lado do preconceito contra os filhos ou do lado dos filhos contra o preconceito. Nós esperamos que passe a ser vergonha a homofobia e não a homossexualidade". A socióloga e o professor universitário assumem que passaram numa primeira fase por um processo de adaptação à notícia: "Tal como os nossos filhos, também passamos pela nossa saída do armário, o nosso coming out (processo de revelação da orientação sexual). Porque este não é apenas um assunto dos filhos. Tivemos que revelar aos nossos amigos, familiares, que a nossa filha tinha uma namorada. E fizemo-lo paulatinamente e com o cuidado de ter a sua concordância nessa revelação. Porque o nosso amor por ela é incondicional".

 

 
De acordo com estes fundadores, a AMPLOS (http://amplosbo.wordpress.com) é basicamente "uma vontade" criada em Junho deste ano. Uma vontade de juntar pais e mães que um dia souberam que um dos seus filhos é gay, lésbica, bissexual ou transgénero. Conscientes de que uma reacção positiva a essa revelação "é fundamental no processo da construção da personalidade dos filhos". O balanço da iniciativa é, segundo eles, bastante positivo. "Estamos neste momento em contacto com 35 pais e mães. Às reuniões da AMPLOS têm vindo cerca de 15, que partilharam os seus medos, as suas preocupações e as suas histórias de amor pelos filhos". Estes encontros decorrem periodicamente entre Lisboa e Porto, contando com maior participação por parte das mães do que dos pais". Para que não haja equívocos, Margarida remata: "Não queremos estar em vez dos nossos filhos protegendo-os da discriminação de que são alvo - isso seria menorizá-los, mas estar ao seu lado nesse movimento longo que tem juntado muitas organizações civis contra a agressão homofóbica, contra o estigma. E digo mais: Somos pelos valores mais fortes da família: Amor aos filhos, à verdade e à liberdade".

 

 
Pensamentos suicidas

 

O assunto é demasiado sério e a consciencialização da sua cada vez maior dimensão já está a empurrar os investigadores portugueses a debruçarem-se sobre o tema. Inédita em Portugal, a dissertação de Patrícia Rodrigues foi defendida no ISPA (Instituto Superior de Psicologia Aplicada) há cerca de duas semanas e aprovada com 18 valores. Em causa está justamente o estudo das "ideações suicidas e da homofobia internalizada" nos jovens portugueses. Traduzindo: os pensamentos suicidas que assaltam estes jovens e, simultaneamente, os sentimentos de rejeição que sentem em relação aos gays. Sendo, ou não, eles próprios também homossexuais.

 

 
A pesquisa abrangeu um universo de 389 pessoas, que responderam a três tipos de inquéritos através da Internet e a idade média dos participantes foi de 19 anos. Do total, 36% autodefiniram-se como gays, 21,9% como lésbicas, 25,2% como bissexuais e 17% como heterossexuais. Assim, 61,4% dos inquiridos assumiram-se como homossexuais. Uma verdadeira surpresa para a investigadora, segundo explicou ao Expresso, alertando para o facto de, à partida, quem respondeu poder ter um interesse pessoal no assunto. De registar ainda que, destes, 44,2% disseram ter sido já vítimas de discriminação, ou seja, quase metade dos participantes!

 

 
E se o assunto se banaliza em quantidade, o mesmo não se pode dizer da pressão social sobre quem se assume como homossexual. Quando inquiridos sobre "quem sabe da sua sexualidade?", os jovens revelaram que falam da sua orientação sexual a apenas alguns amigos e à família, "mas só a parte, como a irmãos ou somente um dos pais, preferencialmente a mãe".

 

 
O mais importante, contudo, é que a pesquisa revelou que "os jovens que se autodefiniram como gays apresentam níveis mais elevados de homofobia internalizada". Dito de outra forma: rejeitam-se a eles próprios e aos outros homossexuais. Já os pensamentos suicidas foram mais relevantes junto dos bissexuais. "Parece que os jovens que não assumem abertamente a sua sexualidade têm mais ideação suicida que os jovens que assumem", afirma Patrícia Rodrigues. A explicação deste comportamento poderá estar no facto de que "os jovens que se percepcionam como bissexuais, acomodam dois tipos de sentimentos, o de uma heterossexualidade, que é valorizada socialmente, e o de isolamento próprio de uma eventual identidade homossexual. É entre este turbilhão de sentimentos, potenciado também pela fase da adolescência, que podem surgir pensamentos suicidas, de confusão e não pertença a nenhum destes 'dois mundos'". E finaliza: "A adolescência é o período durante o qual a pessoa procura uma resposta, através das suas relações, de experiências sociais e sexuais, através daquilo que aprende acerca do que é aceitável para a sua consciência".

 

 
 

Importa a maturidade e não a idade

 

 

"Quando se trata de assumir a sua orientação sexual e de a partilhar, não há idades mínimas. Os pais devem sempre levar muito a sério o que os filhos falam", explica Pedro Frazão, psicólogo e psicoterapeuta, especializado no acompanhamento de adolescentes homossexuais. Com a sociedade portuguesa a aparecer cada vez mais aberta e capaz de aceitar as diferenças, há muitos pais, contudo, que preferem pensar que a homossexualidade é apenas uma fase transitória, característica da adolescência. "No fundo, pode tratar-se apenas da negação dos pais, que foram formatados para pensar que os seus filhos serão heterossexuais e, por isso, eles próprios têm de aprender a reconstruir as suas identidades enquanto pais de filhos homossexuais", afirma Pedro Frazão.

 

 
O que o psicólogo rejeita é que se possa estar a viver em Portugal uma moda, um período em que afirmar uma sexualidade alternativa até se torna um motivo de aceitação. Até porque a orientação sexual não é uma escolha. "Há pessoas que são mais precoces, sobretudo os homens, com casos de certeza da sua sexualidade desde a infância. As mulheres têm uma sexualidade mais complexa e flutuante, muitas vezes só se assumem depois de adultas. Os percursos não são lineares", explica Frazão. O médico explica ainda que a adolescência é altura em que "se forma a identidade sexual, a questão emerge e se consolida e é, sobretudo, quando se dão as primeiras experiências afectivas e sexuais". Segundo explica, hoje o coming out acontece em média aos 15 anos, bastante mais cedo que nos anos 80 em que a maioria dos homossexuais só se assumia a partir dos 21 anos. E que consequências pode ter essa saída do armário numa idade mais precoce? "Depende. A revelação deve ser feita com cuidado e gradualmente a pessoas da família, a amigos de confiança até as pessoas sentirem que existe um contexto que lhes é favorável e acolhedor a essa nova informação. Para evitar discriminação e violência homofóbica, que muitas vezes surgem no contexto escolar. Mas a partir do momento em que a revelação é feita, gera-se um sentimento libertador, uma sensação de confiança e honestidade perante os outros que é saudável". E conclui: "Os jovens devem poder partilhar a sua sexualidade, com os pais e com a sociedade, a partir do momento em que sintam necessidade. Afinal, se o fazem é porque precisam de ser aceites".

 

 
 

Dar a cara contra o preconceito

 

 

"Olá! O meu nome é João Valério, tenho 21 anos e gosto de homens". É com uma atitude confiante, descontraída e algo desafiadora que este rapaz se apresenta frente a uma turma de adolescentes da Escola EB 2/3 do Agrupamento Bairro Padre Cruz, em Telheiras, Lisboa.

 

 
Está ali na qualidade de dirigente da rede Ex-aequo, uma associação nacional de jovens lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros (LGBT) e simpatizantes que trabalham na defesa dos direitos da juventude LGBT de Norte a Sul de Portugal. A turma a quem ele se dirige é constituída por adolescentes entre os 16 e os 19 anos que estudam para concluir um curso profissional de acompanhamento de crianças, correspondente ao 9º ano de escolaridade.

 

 
Uma rapariga esconde-se na gola do casaco num riso nervoso. O colega do lado morde os lábios para não se escancarar a rir também. Mas a maioria dos alunos mal reage. Estão atentos, espantados, curiosos. Ao lado de João, está Manuel Abrantes, 27 anos, doutorando em Sociologia Económica no ISEG, também ele voluntário da rede ex-aequo. Aproveita o quase silêncio da assistência para agarrar num giz e pedir aos alunos para o ajudarem a preencher o quadro de ardósia com sinónimos de homossexual. "Vale tudo. Todos os nomes que conhecerem para o homem e para a mulher", avisa.

 

 
Nem foram precisos cinco minutos para que o quadro da sala se enchesse com insultos homofóbicos: Maricas, fufa, paneleiro, bicha, boiola, virado, panuca, sapatona, camionista, lambe-carpetes, entre outros. "Como podem ver estas palavras não são propriamente elogios. Não se dizem aos amigos, nem a quem gostamos. E se eu vos disser que uma em cada dez pessoas é homossexual? Já viram a quantidade de homossexuais que provavelmente conhecem, sem o saberem? Serão colegas, irmãos, tios, primos, vizinhos. E talvez não o saibam porque essas pessoas têm medo de ser discriminadas...", alerta Manuel. João completa-o: "Há pessoas que se suicidam porque são gozadas e insultadas na escola com expressões como estas. Isso é bullying homofóbico, ou seja, maltratar física ou verbalmente uma pessoa baseado na sua orientação sexual. O que é grave, errado, preconceituoso. Não há mal nenhum nas pessoas que gostam de outras do mesmo sexo".

 

 
Actualmente existem cerca de 30 voluntários em Portugal que, tal como João e Manuel, vão às escolas a convite dos alunos, professores e associações (APAV, SOS Racismo) para partilharem informação sobre temas da homossexualidade, bissexualidade e transgenerismo. Um projecto que integra o Projecto Educação LGBT, apoiado pela Fundação Europeia da Juventude do Conselho da Europa. "O retorno é sempre muito positivo. Com estas acções quebra-se o estereótipo e normaliza-se a questão. Porque regra geral, os miúdos têm ideias demasiado desfiguradas, deturpadas e estereotipadas do que é ser-se gay, lésbica ou transgénero", explica Rita Paulos, porta-voz da rede ex-aequo (www.ex-aequo.web.pt), fundada em 2003, e que conta actualmente com oito grupos de jovens voluntários em Aveiro, Braga, Coimbra, Évora, Faro, Lisboa, Porto e Viseu.

 

 
Publicado na Revista Única do Expresso de 13 de Fevereiro 2010

 

http://aeiou.expresso.pt/sim-somos-gays=f567592
 
 

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