"A orientação sexual não é imutável e existe espaço para a intervenção de psiquiatras no sentido da sua clarificação, lê-se no parecer técnico aprovado hoje pela Ordem dos Médicos (OM), que pretende pôr fim a uma polémica que começou em Maio.
Tudo começou com declarações ao PÚBLICO do presidente do colégio da especialidade de psiquiatria da OM, João Marques Teixeira. O médico defendeu, na altura, que nalguns casos pode ser possível dar resposta a alguém que sente atracção por pessoas do mesmo sexo e pede ajuda para ser diferente. “Se um indivíduo tiver uma homossexualidade primária (isto é, com um cunho biológico muito marcado, traduzido em tendências homossexuais desde muito novo e tendo tido sempre este tipo de orientação ao longo da vida)”, a ajuda “será no sentido de o ajudar a aceitar-se como é.” Já “se for uma homossexualidade secundária”, então há a possibilidade “de se reenquadrar a identidade de género”.
Mais de duas dezenas de associações, como a Médicos pela Escolha e a Panteras Rosa, indignaram-se com esta posição. A homossexualidade deixou de ser considerada doença em 1973, lembrou o psiquiatra Daniel Sampaio, que, com outro colega, lançou na Internet uma petição na qual recorda que a Associação Americana de Psiquiatria reprova qualquer intervenção a este nível. O documento recebeu centenas de assinaturas.
O parecer agora aprovado prova “que foi muito útil ter organizado a petição, pois permitiu este esclarecimento que deixa implícita uma crítica às declarações anteriores de psiquiatras que defenderam terapias de reconversão”, disse Daniel Sampaio ontem ao PÚBLICO.
Para o professor catedrático de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Lisboa, quando João Marques Teixeira se referiu a uma homossexualidade com “cunho biológico” estava implícito que a entendia como “uma doença”, “um conceito que surge como errado à luz do próprio parecer”, donde se conclui que não há indicação para tratamentos “de reconversão”. “O dr. Marques Teixeira disse o contrário do que aqui está.”
O doente que queira mudar deve ser informado “de que não existe evidência científica que suporte uma intervenção que resulte na completa mudança de orientação sexual”, continua o documento. O parecer foi pedido pelo bastonário da OM ao próprio colégio da especialidade de psiquiatria e foi ontem aprovado pelo conselho nacional executivo da Ordem, constituído pelo bastonário e nove médicos dos conselhos regionais. Passa assim a ser a posição técnica oficial que deve servir de orientação aos médicos portugueses.
Momentos de indefinição
“Ainda ontem recebi uma queixa de um rapaz de 21 anos que foi obrigado pelos pais a ir uma psicóloga homofóbica, depois de ter dito aos pais que era homossexual”, conta António Serzedelo, presidente da organização Opus Gay. O activista concorda que existe espaço de intervenção dos médicos que agem “de forma correcta, e que sabem enquadrar a situação em termos humanos e culturais”, mas que recebe regularmente queixas de homossexuais que são acompanhados por médicos que tentam “torcer personalidades”.
Pedro Afonso, psiquiatra do Hospital Júlio de Matos, diz que são sobretudo adolescentes e jovens adultos que lhe batem à porta em busca de ajuda. “Pode haver momentos de ambiguidade em que o jovem, afinal, chega à conclusão de que não é homossexual. Há momentos de indefinição.” E é aqui que o psiquiatra pode ajudar “a clarificar a orientação sexual”.
O parecer refere que é na adolescência que muitas vezes se concentram “incertezas sobre identidade de género ou orientação sexual”. Pedro Afonso nota que “a homossexualidade não é uma doença mas a sua vivência, para alguns, pode configurar uma doença”. “Eu não trato homossexuais mas acedo a pedidos de clarificação. Não podemos deixar de ajudar as pessoas.”
A mesma opinião tem o psiquiatra António Leuchner, presidente do conselho de administração do Hospital Magalhães Lemos, que diz que “não se deve recusar ajuda, se a pessoa se sente menos bem com uma atracção por pessoas do mesmo sexo”.