"O Papa não pode impor mandamentos aos fiéis católicos só porque quer ou porque considera útil". Essas são palavras do próprio Joseph Ratzinger, o atual Papa Bento XVI, em trecho do seu novo livro "O Elogio da Consciência". No texto, publicado pelo jornal Corriere della Sera, 26-04-2009, Ratzinger reflete sobre a função e a importância do papado, a partir de um imaginário brinde proposto pelo cardeal Newman. A tradução é deMoisés Sbardelotto. Eis o artigo. Um primeiro olhar deve se voltar para o cardeal Newman, cuja vida e obra poderiam ser bem designadas como um único grande comentário ao problema da consciência. A quem não vem à mente, a propósito do tema "Newman e a consciência", a famosa frase da Carta ao Duque de Norfolk: "Certamente, se eu tivesse que levar a religião para um brinde depois de um almoço – coisa que não é muito indicado fazer –, então eu brindaria ao Papa. Mas antes à consciência, e depois ao Papa"? Segundo a intenção de Newman, essa devia ser uma clara confissão do papado, mas também uma interpretação do papado, que é retamente entendido só quando é visto junto com o primado da consciência – portanto, não contraposto, mas sobretudo fundado e garantido por ela. Nesse ponto, torna-se clara a extrema radicalidade da atual disputa sobre a ética e sobre o seu centro, a consciência. Parece-me que é possível encontrar um paralelo adequado na história do pensamento na disputa entre Sócrates-Platão e os sofistas. Nela, foi colocada à prova a decisão crucial entre duas atitudes fundamentais: por um lado, a confiança na possibilidade do homem de conhecer a verdade; de outro, uma visão do mundo em que o homem cria por si mesmo os critérios para a sua vida. O fato de que Sócrates, um pagão, tenha podido se tornar, em certo sentido, o profeta de Jesus Cristo tem, em minha opinião, a sua justificação justamente nessa questão fundamental. Levemos em consideração ainda uma ideia de São Basílio: o amor de Deus, que se concretiza nos mandamentos, não nos é imposto de fora, mas é infundido em nós anteriormente. O sentido do bem foi impresso em nós, declara Agostinho. A partir disso, somos capazes, então, de compreender corretamente o brinde de Newman antes à consciência e só depois ao Papa. O Papa não pode impor mandamentos aos fiéis católicos só porque quer ou porque considera útil. Uma semelhante concepção moderna e voluntarista da autoridade pode apenas deformar o autêntico significado teológico do papado. Assim, a verdadeira natureza do ministério de Pedro tornou-se totalmente incompreensível na época moderna precisamente porque, nesse horizonte mental, pode-se pensar a autoridade só com categorias que não permitem mais nenhuma ponte entre sujeito e objeto. Portanto, tudo o que não provém do objeto só pode ser uma determinação imposta de fora. Mas as coisas se apresentam totalmente diferentes a partir de uma antropologia da consciência. A anamnese [1] infundida no nosso ser precisa, por assim dizer, de uma ajuda de fora para se tornar consciência de si. Mas esse "de fora" não é, de fato, algo em contraposição: ele tem uma função maiêutica [2], não impõem nada de fora, mas leva à realização do que é próprio da anamnese, isto é, a sua abertura interior específica à verdade. Notas: 1. Anamnese (do grego ana, trazer de novo, e mnesis, memória) é o histórico de uma doença feito pelo médico com base nas informações colhidas com o paciente. Em outras palavras, busca relembrar todos os fatos que se relacionam com a doença e à pessoa doente. [voltar ao texto] 2. Nome dado por Sócrates à sua dialética como o "parto intelectual" da procura da verdade no interior do homem, ou a arte de partejar os espíritos, isto é, de fazer o interlocutor descobrir as verdades que traz em si pelo processo de multiplicar as perguntas a fim de obter, por indução dos casos particulares e concretos, um conceito geral do objeto. [voltar ao texto] Para ler mais: in: http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=21824
29/4/2009 Antes do Papa, o primado da consciência