«Há palavras que nos mudam vidas, há olhares que nos tocam para sempre. Recordo quando Abbé Pierre me contava o momento em que pedira a um suicida que o ajudasse, antes de pôr termo à vida, a arranjar abrigo para uma mulher desesperada. Por causa disso, o homem decidiu continuar a viver e fundou, com ele, os Companheiros de Emaús. Lembro ainda a expressão do irmão Roger, de Taizé: num tempo em que a Europa se dividia ainda em católicos e protestantes, a avó ensinara-lhe a reconciliar corações fraturados — e, contando isso, demorava a frase, que concluía com o brilho do seu olhar.
Há outras palavras e olhares de alegria, alguns de angústia ou tristeza. O teólogo Hans Küng sentiu a sua suspensão pelo Vaticano como o acontecimento «mais cruel» da sua vida, que o deixou exausto. Leonardo Boff viu-se humilhado quando lhe foi ordenado silêncio público pela segunda vez. Esses sentimentos podem dar lugar à revolta, como no caso de Eugen Drewermann, ou à descoberta de outras missões, como aconteceu com o bispo francês Jacques Gaillot.»
A editora Pedra Angular lançou recentemente o primeiro volume da obra “Deus vem a público – Entrevistas sobre a transcendência”, do jornalista António Marujo.
Esta edição apresenta mais de 55 entrevistas feitas ao longo de 20 anos no jornal “Público” a personalidades ligadas à religião, especialmente no campo do catolicismo.
A passagem para livro permitiu incluir partes das entrevistas que a paginação de um jornal sempre impede. As transcrições começam com uma breve nota biográfica do entrevistado.
«Tive sempre a convicção de que era importante trazer para a praça pública vozes e modos de olhar diferentes do quotidiano. Vozes e modos de olhar que ultrapassassem a contingência de um discurso político que se deixou esvaziar de horizonte e que se ocupa sobretudo da espuma do instante; vozes que estão para lá do economicismo desumano que pretende vender-nos ilusões ou desânimos consoante o interesse do momento», escreve António Marujo nas páginas iniciais.
«A forma de dizer o nome de Deus foi sempre plural. A pluralidade de olhares surgiu, assim, inevitável ao modo como entendo o meu trabalho. Por isso se reproduzem aqui diferentes palavras e modos diversos de olhar esse mistério insondável a que se chama Deus. E que tanto podem provir de um cristão católico ou protestante, de uma muçulmana ou de um judeu, de um budista ou um não-crente. Como diz o rabi judeu Albert Friedlander: «Acredito que cada ser humano que encontro é, de certo modo, um testemunho de Deus, de que o divino é parte do ser humano, de que a alma humana vem de Deus».
«Desde a sua fundação – sublinha o autor - o jornal deu direito de cidadania ao fenómeno religioso, no que foi mais uma das várias revoluções operadas pelo “Público” no jornalismo em Portugal. Infelizmente, tudo o que à religião diz respeito continua a ser vítima de muito preconceito mediático, sobretudo em Portugal, onde esse noticiário é relegado para o anedótico ou para o imediato. O facto de estas entrevistas serem agora reunidas muito fica a dever a essa inspiração fundadora e ao apoio que, ao longo dos anos, fui tendo por parte de vários diretores e editores.»
Capítulos e entrevistados
1. No princípio era o Verbo
Johann Baptist Metz, Jürgen Moltmann, Jean-Nöel Aletti, José António Pagola, Michel Quesnel, Jean-Marie Lustiger, Nicoletta Crosti
2. Uma beleza que nos salve
Gianfranco Ravasi, Marko Ivan Rupnik, Jordi Savall, Erri de Luca, Philipp Gröning
3. Os nomes de Deus
Dalai Lama, Albert Friedlander, René Samuel Sirat, Feisal Abdul Rauf, Azim Nanji, Aga Khan
4. Europa, uma pátria espiritual
Remi Brague, Bronislaw Geremek, Andrea Riccardi, Paul Poupard
5. Novas fronteiras do compromisso
Hans Küng, Eugen Drewermann, Jacques Gaillot, Leonardo Boff, Godfried Danneels, Alessandro Zanotelli, Aloísio Lorscheider, Jaime Gonçalves, Renato Kizito Sesana, José Andrés-Gallego
6. Uma parábola de comunhão
Irmão Roger (Taizé), Jacques Dupuis, Raimon Panikkar, Abbé Pierre, Timothy Radcliffe, Pedro Meca, Mark Raper, GianMaria Polidoro, Irmão Aloïs (Taizé)Elias Chacour
7. O rosto materno de Deus
Lavinia Byrne, Joan Chittister, Carlos Gil Arbiol, Anne Nasimiyu, Asma Barlas
8. Questões disputadas
Rino Fisichella, Juan Masiá, Sergio Bastianel, Gianni Vattimo, Juan José Tamayo, Josep M. Soler, Carlos Padrón, Antônio Moser, Jean-Yves Calvez, Joseph Comblin, Jacques Arnould
© SNPC | 18.12.11